Soncent

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sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

Pés italianos

No meu último ano de liceu, tinha acabado de emigrar para os States, fui parar a uma turma de gente que não conhecia, mais velha que eu e que já estava acostumada consigo própria.
Sentei-me então na penúltima carteira, pois na última já estava um rapaz que também era novo e se devia sentir tão amedrontado como eu, ambos estrangeiros, ambos recém-chegados a Portsmouth Abbey School, uma escola católica para gente rica. Creio que ele nem era rico, se calhar conseguia lá estudar na mesma situação que eu: bolsa de estudo por mérito ou por desporto.
Nós não nos falávamos e eu nunca virava a cara para trás e ficava a pensar na rapariga que sempre o esperava na porta, quando tocavam o sino.
Mas nós sentávamo-nos naquelas cadeiras seguidinhas, ele estendi as longas pernas, nós pés sandálias só com duas tiras em cima, eu descalçava as socas e passava o meu pé sobre os dele, durante a aula, eu a olhar para o professor e imaginando que ele fazia o mesmo, eu a deslizar o pé sobre o dele, ele que agora passava o dedo grande do pé na sola do meu, eu estremecia mas continuávamos, dia após dia, já só vivia para a escola, para a hora de me sentar, esperar que ele estendesse os pés, nunca ia de meias, nunca de sapatos fechados. Tratava dos meus pés com o maior zelo, eram sempre cremes e lixas, queria ter o pé mais suave e sedutor do mundo. E aquilo repetia-se todos os dias, aquelas carícias deliciosas, que me punham tão aérea e tão feliz. Até que um dia um professor notou-nos, pôs-nos na rua e pudemos assim consolidar o nosso amor.
Saímos, ficámos a olhar para a porta fechada, depois um para o outro e demos as mãos, lá fomos andando por entre os jardins, eu já sabia inglês razoavelmente mas ele ainda não, então com gestos e sorrisos nos comunicávamos. Chegámos à beira do rio, atirámos pedras que batiam três vezes na água antes de afundarem, de vez em quando passava um pequeno bote a remos. Depois ele puxou-me pelo braço, encostou-me a uma velha árvore e beijou-me ali mesmo. Então entendi porque se dizia que o italiano era bonito porque ele pôs-se a falar, talvez a elogiar-me e eu só sentia música enquanto olhava e me perdia nos seus olhos negros.
Mas a rapariga continuava a vir esperá-lo e ele lá ía com ela, eu nunca percebia porquê. Deu-me um dia um bilhete escrito numa outra letra, mas em inglês, pedindo-me que me fosse encontrar com ele na sala de computadores. Ele não estava lá, fartei-me de esperar e nunca mais o vi. A rapariga também desapareceu e os professores evitavam falar dele. Durante uns tempos, olhei para a carteira vazia atrás de mim, sem os olhos negros, as mãos grandes de unhas curtas e rosa, os pés grandes e quentes, tão macios… e a sua pronúncia italiana quando respondia aos profs. Até hoje, cuido dos meus pés com um cuidado que o meu marido um dia classificou de… “tão erótico que chega a ser pornográfico…”

4 comentários:

Anónimo disse...

Linda historia!

Anónimo disse...

Encontrei o teu italiano...


Pela primeira vez disse
algo...Todos dias lá vinha ele: sentava; bebia o mesmo, a mesma hora, com os mesmos gestos sem graça, com a mesma camisa ( a cor pelo menos era a mesma)... cinzenta .
Começou...( e afinal até falava – num inglês que sabia a musica, de tão cantado que era...):
-Um dia, quando criança vi um action man na montra duma loja, dessas que ficam iluminadas no Natal, com aquelas luzes que fazem lembrar as discotecas dos 80´s, com aquela gente mal vestida e com aqueles cabelos ...
Ia lá todos os dias, ficava a ver , parado , sem fazer nada, diziam que estava frio...diziam (nunca me dei conta)... foram horas, dias, semanas...fui trabalhar, limpei, esfreguei, varri... e todos dias horas à frente da montra...diziam que fazia frio, diziam...
Era um sábado, dia 23/12, não fiquei parado em frente à montra, entrei; fui ao balcão; apontei para o meu lindo, desejado, querido action man; paguei...
Fui, para casa não tive de limpar, esfregar ou varrer... tinha-o, o meu action man. Não sei pq ...fiquei, parado, não o tirei da caixa , contemplava-o como sempre fizera, parado horas , dias, semanas... queria brincar com ele mas não o fazia, via-o a contemplar-me, aí, parado... mas não o tirava da caixa...
Fui á loja , entreguei-o, troquei-o por outra coisa qualquer...Mas continuei a ir todos os dias à montra vê-lo, parado, horas e horas...diziam que fazia calor , diziam...
E até hoje me arrependo de não ter tido coragem para abrir aquela caixa, linda... com aquilo que tanto quis ...

Fiz as contas, não podia ser, no tempo dele não havia action man...vi-o com uma foto, escondeu-a ... Foi-se embora. Soube um dia, que tinha uma loja de cremes para os pés... não acreditei.

Anónimo disse...

A historia e tua ou da tua irma? Bem boa e deixa saudades do verao uma vez que a temperatura e de -10C na Portsmouth Abbey...SG

Anónimo disse...

não assinei... mas é meu (o "Encontrei o teu italiano...")
A.P.