Soncent

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quarta-feira, 10 de outubro de 2007

O Romance - Capítulo III - O início

Bureau

Às sete horas em ponto, Íris Miranda entrou no edifício, mostrou o crachá ao segurança armado a uma esquina e atravessando vários corredores em penumbra chegou a uma grande sala iluminada por potentes lâmpadas, onde algumas pessoas se atarefavam à volta de montes de papéis e vários telefones. Do fundo acenou-lhe um homem e ela fez-lhe um gesto com a mão para que se aproximasse. Ele veio mancando ligeiramente e estendendo-lhe uma pasta comentou despreocupadamente:

-Apanhamos o elo. Está à sua espera. Têmo-lo desde ontem à tarde, esteve metido na cela lá em baixo. Está um bocado maltratado.
-Disse alguma coisa? — começou a esfolhar o dossier, no cimo do qual constava um carimbo vermelho “Urgente”.
-Ná, esse é daqueles que resistem nos primeiros dias. Tem boa preparação física. Vá lá vê-lo.
-Já, já! –abriu uma porta à direita, que dava para os toaletes e mudou de roupa, envergando umas calças escuras e uma camisa azul, fez um rolo com os compridos cabelos e meteu-os numa grande boina preta. Por fim, pôs um par de óculos escuros que lhe tapavam a parte superior do rosto e tirou o relógio. Meteu as roupas no cacifo e trancou-o, encostando depois a porta do quartinho. Dirigiu-se então ao outro extremo da sala e parou uns segundos antes de rodar a maçaneta. Era a «sala das confissões».

Havia já três meses que Íris tinha por rotina passar cerca de oito horas diárias metida dentro de uma sala sem janelas, fortemente iluminada, com uma cadeira perto da parede, ligada a vários fios eléctricos e diversos equipamentos que não escondiam o seu propósito: tortura.

Íris sabia utilizar-se deles todos e fazia-o sempre que necessário. Era o seu trabalho. Adoptara uma estratégia de manter a convicção de que quem estava nas suas mãos não era gente, era escória da sociedade, pessoas que tinham cometido os crimes mais hediondos. Resultava. Ela cumpria o seu dever, e bem, e era chamada agora para casos de alguma dificuldade, para as pessoas um pouco mais reticentes. Estava portanto descansada, nesse dia, ao entrar porta adentro.

Entrou de cara séria, acenou ao ajudante e olhou para o homem sentado na «cadeira do terror». Ergueu para ela uns olhos muito azuis num rosto comprido, viril, um bocado pisado. Íris apertou o dossier nas mãos.

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