Soncent

Soncent

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Marisa e Malick- extracto

(...)

- Que é que mais gostas de fazer? – Era do tipo de pergunta que Marisa aprendera a não gostar. Mas resolveu ser sincera.

- Escrever. Escrever pequenos contos. Olha, este ficou pronto ontem à noite.

Ele pediu-lhe que lhe lesse o conto. Pega de surpresa, ela relanceou o manuscrito.
Escrevera-o de uma vez e até gostara dele. Mas em menos de um segundo, ela reviu a história e teve a certeza de que ele não a apreciaria.

- Para quê?
- Ora! Gostava de saber o que escreves!

-Mas vou ler para ti? Como na escola? Não gosto!
- Então dá-me que eu mesmo leio.

- Não! Deixa estar, eu leio. – E na hora, Marisa inventou uma história completamente diferente, e enquanto corria os olhos pelo papel, fingindo ler, tentando fazer as pausas esperadas do texto, declarava frases recém-feitas, surgindo um conto leve e divertido, que caberia em três páginas se estivesse escrito.

Ela viu nos olhos dele um interesse e uma satisfação que lhe aqueceu o coração e lhe deu ânimo para continuar a farsa. Quando terminou, ele mostrou-lhe um sorriso rasgado:

- Brilhante! Adorei. Tens muito jeito para a escrita! Ouve, tens que publicar isso! A sério. Está muito bem escrito!

Ela fez um sorriso triste. Se conseguisse escrever tudo o que dissera num só sopro minutos antes, claro que o queria publicar, acabara de criar o melhor conto de sempre mas que só servira para ele! Como lembrar-se agora de todas as frases tão inspiradas que pronunciara instantes antes?

Não deixava de ser romântico, pensou, ter inventado o seu melhor conto para que somente Malick o apreciasse. Só para que ele lhe mostrasse aquele sorriso tão, tão caloroso, que lhe provocou uma dor aguda algures no peito.

(...)
Janeiro 2004