Os romances que se vendem aos milhares e milhões por este mundo fora e são lidos esganiçadamente por gatos enroscados em sofás ou aves pré-voo empoleirados em aeroportos fazem-nos pensar que a profissão de um espião ou agente secreto é feita de muita acção, tecnologia e sexo.
E como os filmes vão buscar as suas histórias nos romances, perpetuam e multiplicam essa ideia estapafúrdia. Digo-vos: não há romance na profissão de agente secreto. Entrei nesta vida há tanto tempo, que mal me lembro como, mas sei que não andei a fazer planos e a sonhar com a CIA e o FBI e a KGB.
Entrei circunstancialmente, depois de várias profissões de meia leca. Nem tenho grande aptidão física, mas digo-vos em verdade, se for preciso correr, corro! Não possuo um certificado de artes marciais, mas já dei pancada – e levei. Sem classe e recorrendo às garrafas que o acaso tivesse plantado para me socorrer.
Muito se descobre da nossa força quando nos vemos face a alguém que nos quer matar. E oiçam: as balas não possam por nós a zunir, as balas entram-nos corpo adentro e doem imenso, não sei se já pensaram nisso: doem imenso!
E depois de levarmos um, dois, três tiros... já não somos a mesma pessoa. Dos nossos buracos não se nos escorre apenas sangue, vai-se também a ideia do nosso corpo como um todo, da nossa imortalidade, de sermos uno e perfeito - descobrimos vísceras, descobrimos efeitos colaterais, arrastadeiras, e um medo que surge do mais fundo de nós - medo de morrer.
E tornamo-nos agentes de secretária, analisamos gráficos e números, negamos partir em missões, negamos aumentos de salário e promoções, não venham elas atreladas a perigos mais, e queremos dormir todas as noites com um pijama à prova de bala, num quarto à prova de intrusões, numa casa à prova de explosões.
E como o salário de um agente de secretária não alimenta os luxos de quem já ganhou para arriscar a vida... Escrevemos livros de espionagem, que para se venderem, colorimos com muita acção, tecnologia e sexo.
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