"(...)
A
conversa prolongou-se de tal forma que quando deram pelo fecho do bar, ficaram
surpreendidos. O André já havia partido, pelo que a Marisa convidou o Adélio
para uma última bebida na sua casa. Quando deram por si, estavam sentados na
cama dela, num quarto tão desarrumado que parecia um campo de batalha.
- Que é
que mais gostas de fazer? – Era do tipo de pergunta que a Marisa aprendera a
não gostar. Mas resolveu ser sincera.
-
Escrever. Escrever pequenos contos. Olha, este ficou pronto ontem à noite.
Ele
pediu-lhe que lhe lesse o conto. Pega de surpresa, ela relanceou o manuscrito.
Escrevera-o de uma vez e até gostara dele. Mas em menos de um segundo, ela
reviu a história e teve a certeza de que ele não a apreciaria.
- Para
quê?
- Ora!
Gostava de saber o que escreves!
-Mas
vou ler para ti? Como na escola? Não gosto!
- Então
dá-me que eu mesmo leio.
- Não!
Deixa estar, eu leio. – E na hora, a Marisa inventou uma história completamente
diferente, e enquanto corria os olhos pelo papel, fingindo ler, tentando fazer
as pausas esperadas do texto, declarava frases recém-feitas, surgindo um conto
leve e divertido, que caberia em duas páginas se estivesse escrito. Ela viu nos
olhos dele um interesse e uma satisfação que lhe aqueceu o coração e lhe deu
ânimo para continuar a farsa. Quando terminou, ele mostrou-lhe um sorriso
rasgado:
-
Brilhante! Adorei. Tens muito jeito para a escrita! Ouve, tens que publicar
isso! A sério. Está muito bem escrito!
Ela fez um sorriso triste. Se
conseguisse escrever tudo o que dissera num só sopro minutos antes, claro que o
queria publicar, acabara de criar o melhor conto que ela alguma vez inventara,
mas que só servira para ele! Como lembrar-se agora de todas as frases tão
inspiradas que pronunciara instantes antes? Não deixava de ser romântico,
pensou, ter inventado o seu melhor conto para que somente o Adélio apreciasse.
(...)
Janeiro de 2004
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