Soncent

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quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Conversas para boi dormir - III

Ouvi hoje pela segunda vez, uma jovem da minha geração a fazer a seguinte declaração:
"- Eu disse logo ao meu patrão, eu estou a trabalhar não é porque preciso de dinheiro ou ando a passar fome. Trabalho (a 1ª moça) para comprar vernizes e ir ao cinema; (a 2ª moça, hoje) para ter a minha independência!"

De ambas as vezes, esta afirmação causou-me imensa estranheza. Jovens que sentem que têm que se desculpar por trabalherem, ou que sentem que têm que esclarecer que trabalham sim, senhor! - mas não precisam mesmo, mesmo de o fazer. E dizem-no com muito orgulho.

E isto, vindo de cabo-verdianas, quando sabemos que não podemos ter ilusões: somos pobres. Somos também atrevidos, orgulhosos, e creio que são estas características que influem para que tenhamos serviços tão maus. Porque qualquer pessoas que estiver atrás de um balcão ou a servir às mesas está a pensar, enquanto olha para o cliente "Estou cá a trabalhar, mas eu não preciso mesmo, ok? Logo, não penses que te vou dar um sorriso ou dizer-te que não há ovos, mas podes comer a cachupa com chouriço, ok? Gorgeta? Não preciso, ok? Não estou a morrer de fome. Ficas a saber que posso sair a qualquer hora, porque:

1. A minha mãe trabalha ña Itália e manda-me dinheiro. Quero lá saber se ela está mais magra que uma cabra mindelense;

2. O meu pai está embarcado. Quero lá saber se há seis meses que ele não põe os pés em terra;

3. A minha irmã emigoru para a América e sustenta-nos a todos. Sim, ela ainda não conseguiu comprar um carro, que é que tem?

4. O meu pai de filho manda-me dinheiro da Holanda. Se trabalha ou vende drogas, não me interessa, dinheiro é dinheiro.

Este mesmo orgulho impede-nos de aceitar um trabalho, depois de estarmos seis meses desempregados, porque:
1. Poça, eu tenho o 12º ano!
2. O que é que as pessoas vão dizer?
3. É muito longe/são muitas horas!/Dá muito trabalho!
4. Eles precisam de alguém que escreva inglês, e eu escrevo mal
5. Não gosto da cara daquele gerente!

E depois queremos imigrar, porque no fundo estamos convencidos de que:
1. No estrangeiro andamos a dar pontapés aos dólars ou euros

Eu vou tentando desenganar os que posso... digo-lhes que se trabalhem cá tanto como teriam que trabalhar lá fora, não terão que emigrar...

14 comentários:

Anónimo disse...

Concordo plenamente contigo. O interessante que no exterior, os caboverdeanos sao conhecidos por trabalhadores. Sabes porque? Porque no exterior, o orgulho morre ou e posta de lado para depois ir mostrar em Cabo Verde o que se tem. Matam-se no exterior, conduzem carros a cair de podre, vivem na miseria para depois pagar aquele bilhete de passagem e ir mostrar toda a roupa, joias, etc que conseguiram no exterior. Prioridades!! Por isso e nao andamos para a frente.

Unknown disse...

Eileen, já pensei nisto muitas vezes. O pessoal não quer trabalhar. É só festa e mai nada! O maior problema estrutural do nosso país hoje em dia é, na minha opinião, uma grave crise de metalidades. Seria - e este condicional revela um certo pessimismo - necessária uma autêntica revolução para dar a volta a este texto. Será que ainda vamos a tempo?

Anónimo disse...

Concordo com o teu ponto de vista. Sinto-me muito mal atendido, na maioria dos lugares. Várias vezes digo a mim mesmo, "de certeza que alguém gostaria de fazer o trabalho desse empregado mau-Humorado". Muitos jovens não querem trabalhar, e outros até têm a "lata" de posicionar-se num ponto estratégico da cidade a pedir 50 e 20 escudos àqueles que trabalham. Mas, quanto a tua última afirmação, não concordo plenamente com ela. Embora procure entender a tua intenção em dar um empurrão psicológico aos "Lazy". Apesar de Cabo Verde possuir um excesso de preguiçosos, há também um excesso de patrões "mon de vaca". Nô ta bai, no ta bem!
Isso é um factor a ter em consideração. Tudo sobe de preço no país, o salário fica o mesmo durante anos. Não sei se é o teu caso, mas é a realidade de muitos por estas bandas.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Pois, é, Nádia, é esse comportamento exibicionista dos nossos emigrantes que ajuda a cimentar a ideia de que no estrangeiro andamos a dar pontapés em dinheiro.

João: acho díicil mudar em pouco tempo, mas acredito no poder de boas conversas, para mudar nem que seja uma pessoa em cada seis meses. Lembrei-me agora de uma historieta: a maré numa certa praia tinha depositado na areia milhares de moluscos ou conchas. Um rapaz estava a apanhá-los e a atirá-los de novo à água. Chega um amigo, e diz-lhe: "Mas são milhares! Não os vais conseguir salvar a todos! Que diferença farás atirando alguns?"
E o nosso herói responde: "Para os que forem salvos, faz toda a diferença..."

Eileen Almeida Barbosa disse...

Ao Anónimo: isso que dizes das pessoas a pedirem dinheiro é que me tira mesmo do sério! Gente saudável, da minha idade, que não sentem vergonha alguma em estender a mão e pedir! Pois não dêm! Não se ajuda as pessoas com esmolas. (Bom, exceptuando gente velha e doente). Mas os miúdos, os jovens e os homens e mulheres feitos, penso mais vale dar-lhes um trabalhinho que seja, a simplesmente dar-lhes uma moeda, que sairá com maior rapidez e sem um pensamento.

Anónimo disse...

eh la eileen, po ded na frida, pk nos criol é uns largod corp...(ha excepçoes).. nos é dod na kex fala tip "amos, tem temp", "deus ha dob kel ke dbossa"... nao sr, sangue, suor e lagrimas!!!! (fui extremista??).. bijim

Anónimo disse...

"O meu pai de filho". Nao percebi esta

Eileen Almeida Barbosa disse...

Não foste extremista, Dudão, mas muita pouca gente por cá iria na tua conversa...

Anónimo das 8.09: Pai de filho é uma expressão que usa nessas bandas, para designar o homem com quem uma mulher tem um ou mais filhos, mas o comportamento do homem é em geral tão despreendida, que não são companheiros, marido ou mulher, ou ex-companheiros. É só mesmo o pai do filho.

Anónimo disse...

Concordo plenamente com a Nádia no que diz respeito aos nossos emigrantes. E quanto aos jovens da nossa terra, é mesmo vergonhoso a mentalidade que eles estão cultivando relativamente ao trabalho e até mesmo à própria educação, sim porque até estudar já ñ querem. O que querem mesmo é vida boa mas sem esforço.

Anónimo disse...

"É esse comportamento exibicionista dos nossos emigrantes que ajuda a cimentar a ideia de que no estrangeiro andamos a dar pontapés em dinheiro". Ao ler a supracitada frase, confesso que fiquei entorpecido. Besta é aquele que se deixa impressionar com tão pouca coisa (sem fundamentos ainda por cima) ou que se deixa "emprenhar pelos ouvidos".

De facto "o maior problema estrutural do nosso país hoje em dia é, na minha opinião, uma grave crise de metalidades."

O que fazer para alterar o statu quo?! (Receio que seja uma mera pergunta de retórica)

Anónimo disse...

Bravo, Eileen!!!
Tb assino em baixo.
A gente lamenta tantas vezes os "pontos de vista" que se vão criando (e com raízes!), mas felizmente, pessoas que gostam de escrever, por exemplo, fazem mais que lamentar... questionam publicamente.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Obridasa, Suzana. És a Su? A antiga presidente da AELLL?

Anónimo disse...

Presidente da Mesa Assembleia da tentativa de criação de uma AELLL...

Eileen Almeida Barbosa disse...

Ué... que pessimismo! Ela criou-se... e foi extinta pela natureza do povo cabo-verdiano, que se revela nos primeiros anos de vida: falta de associativismo. Pronto. Bom ver-te por cá!! Dá-nos conta de Coimbra, a cidade das subidas, das répubiclas, das festas e bebedeiras, do Mondego, do parque natural... ai ai ai!