Trinta anos se terão passado e embora me lembre agora menos vezes, a
emoção parece ser a mesma. Não doerá igual, mas dói nas mesmas zonas. E ainda
dói é no peito e ainda choro pelos olhos e ainda sinto a tua falta no mesmo
sítio: ao meu lado.
Tenho-me perguntado todos estes anos como é possível
amarmos tanto assim alguém a quem deixámos de admirar. Tenho ficado mais velha,
mais sábia, mais meiga e calma, mas ainda não sei como. Às vezes penso que fiz
bem em deixar-te, noutras penso que só ao teu lado teria encontrado uma vida
preenchida no seu todo.
Agora sinto-me tão velha que, quando me sento debaixo
de uma árvore e fecho os olhos, imagino que quando os abrir, te encontrarei,
não velho como eu, mas ainda jovem e forte, e sábio, com a sabedoria de 100
anos e que me estenderás a mão.
Inventei uma série de cânticos meio senis, uma série de rituais de
adoração, com que me ocupo quando a vida me deixa. Lembras-te do oboé?
Lembras-te de mim? Sinto-me como uma ilha que viu um dia surgir um naufrago e o
amparou. Deu-lhe comida, água doce, madeira para uma cabana e pores-do-sol para
os seus sonhos. E foi abandonada sem um único olhar, quando apareceu uma
jangada. Sinto-me como essa jangada, quando apareceu um bote. Sinto-me como
esse bote, quando apareceu um cargueiro. Sinto-me como um cargueiro, quando
pisaste terra firme. Eu queria ser terra firme.
Mas como não me consigo levantar logo, pegas-me
ao colo, embalas-me mansamente, como se não fosse eu uma velha mas um bebé, a
quem amas acima de tudo. Queria transformar-me num bebé e não crescer nunca,
para que fosse sempre o teu bebé. O teu amor imaculado.
Queria ser terra firme, a tua certeza, o teu bem mais importante. Queria
que nunca tivesses desistido de mim como não desistimos nunca de comer, de
respirar, a não ser quando desistimos de viver.
9 de Junho de 2006
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