Num ato de pura rebeldia, deixei o casaco em casa. E para piorar as coisas, parco o carro na primeira vaga, ficando bastante longe da porta. Quando lá chego, estou transida de frio e caí duas vezes dos meus saltos agulha. Da primeira vez para a direita, da segunda vez, para a direita de novo, que posso ser rebelde mas sou coerente.
Joelhos esfolados, um fio de sangue canela abaixo, entro majestosa no pub/lounge/restaurante/escritório do Antunes, que parecia nunca tomar banho mas as camisas iam-se alternando entre vermelhas e pretas, certamente cores fortes para disfarçar as manchas. Mas o cheiro?
Acenei-lhe fazendo chocalhar as minhas pulseiras. Um sorriso amarelo no meu rosto, contorcido ainda de dor. Quero uma estratégia para passar reto pelas pessoas, sem que me vejam, até à casa de banho que será a minha enfermaria. Mas não mo permitem. A primeira pessoa a topar com as minhas feridas é a madrasta da Cassandra, nunca mais consigo fixar o nome da senhora.
Vem para mim de braços abertos, depois olha para baixo, examinando, claro, o padrão e a altura do vestido e o seu rosto contorce-se como se o meu sangue não fosse vermelho como os outros. Fala em voz muito alta e aguda, a boa da senhora, para que toda a gente saiba que caí feita pata tonta na rua, no alcatrão, no frio.
Grita:
- Ludmila, meu amor, o que foi que te aconteceu?
A desgraçada da senhora sabe o meu nome.
- Nada, nada, fui ajudar um gatinho que por pouco era atropelado..
- Ah, mas que coração que tu tens, querida.
Não sei. Aconteceu tudo muito depressa. Foi eu olhar para ela, olhar à volta, ver o empregado de mesa com a bandeja das bebidas, agarrar no copo de vinho tinto e atirá-lo, sem razão, motivo ou premeditação, ao vestido branco da senhora.
E depois fazer meia volta para ir buscar o casaco a casa.
(Foto da net)
2 comentários:
Oh, Eileen, o puro exercício de colocar ideias na tela/papel pode até ser terapêutico, mas quem lê precisa de conteúdo. O banal pode até conter poesia, mas a tua prosa ainda não consegue fazer esta conversão. Admiro, entretanto, a persistência e a coragem de escrever e dar a cara nesta nossa blogosfera imatura. IAS
Cara Isabel, ocorrem-me várias respostas e análises ao seu comentário. Não sei se chega a ser mal intencionado; tem o seu quê de simpático; de certa forma, enforcou-me e depois fez-me uma bonita elegia. Fica um ar de esperança, ainda não consigo fazer a conversão mas... pode ser que chegue lá?
Quero sim agradecer-lhe a generosidade dos minutos que dedicou a escrever um comentário num blog que há muito não os viu. Persisto em manter vivo este espaço pelos mesmos motivos de sempre: há quem o leia; a mim, dá-me um certo sentido de disciplina, mantém organizados os escritos e os eventos. Serve-me de pesquisa, de diário. Já me disseram que é um blog humilde mas autêntico. Esta descrição satisfaz-me.
Obrigada!
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