Soncent

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terça-feira, 22 de maio de 2007

Tu es um potugues - parte II

A tua memória falha agora, levantou-se um pé-de-vento que te afasta, que te divide e não te sentes um todo. Vieste parar junto a um terraço de um prédio. Olhas para baixo e reconheces o passeio, não te lembras do nome da zona mas por cá passaste, naquelas tuas férias que teriam sido de sonho. E foram, até ao último dia antes de partires.
E tu, Português, começas a sentir uma dor bem forte, à medida que te lembras de mais coisas dessas férias. Hás-de chorar se tiveres outra vez olhos e lágrimas. Esta zona chama-se Monte de Sossego, já o sabes. E a casa dela era aqui perto. E cá onde estás, nesta varanda, é a casa do vizinho dela. Como o odeias, como o odiaste desde que ficaste a saber do modo como ela o amava, o amou sempre. E tu, Português, como a amaste! Vês agora o sorriso dela, depois de ambos terem saboreado o peixe, degustado o vinho, fumado uns cigarros: mais ela que tu. Disseste-lhe que ela não o devia fazer. Qualquer coisa como as mulheres bonitas não deverem fumar. Ao que ela se zangou um pouco, "Porque hei-de perder toda a minha humanidade e o direito de errar, para só ser uma mulher bonita?" Não a conhecias bem e não pudeste saber se ela estava a sério, se queria discutir só por causa de um mero comentário galante.
Ela não te deixou saber. Pediu-te que te retirasses. Só assim. Quase choraste enquanto descias a Avenida de Holanda. Mas já tinhas os planos de te plantares frente à casa dela. E ela não te desapontou, todos os dias tomaste um chá com ela e tiveste direito a vinte minutos de conversa. Foi assim que ela um dia te contou sobre o amor da vida dela. Querias que ela sentisse metade desse amor por ti. Quiseste tanto abraça-la, tocá-la, mas conseguirias alguma vez?
Foi o Níquel, o teu amigo crioulo, que te disse que ela tinha adoecido. De uma doença que já ninguém tinha. Que sofria em casa, recusara-se a ir ao hospital. Contava com a morte, sentada no terraço, com um cobertor sobre os fanicos de pernas que lhe sobraram. Não queria ver ninguém. O humor negro de Níquel deixou escapar que o buldogue andava atrás das pernas dela, de tal maneira se viam os ossos. Arrependeste-te de um dia qualquer não a ter tomado nos braços, não a ter beijado. Tantas vezes o sonhaste!

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