Já tenho uma semana como jardineiro e a minha vida mudou muito mais do que o mundo. Durante três dias, a minha morte foi manchete mas depois, as eleições em França ocuparam os grandes títulos e já poucas menções são feitas sobre esta República das Bananas em que nos transformámos. Quase que morro do coração quando olho para as coisas. A cega que se faz de minha mulher tenta consolar-me e faz-me engolir calmantes. Para alguém que não vê, dá-se muito bem dentro de casa e até na rua também. Tem umas amigas mais decrépitas do que ela própria, que aparecem para a visitar e não reparam que o marido mudou. Cumprimento-as com uns arrotos para que não me estranhem a voz. E despeço-me com uns espirros e a Cega diz que tenho uma gripe danada. Elas esconjuram-me com Deus te dê saúde e vão-se embora. É uma gente pacata.
O que um historiador não daria para descobrir que um mês depois de eu ter encenado a minha morte, dou por mim vivendo num idílio com uma sexagenária invisual. Tenho estado sempre doente, mas há dias estive bem pior e ela mudou-se para o meu quarto. Na enxerga em que dormia, mole e velha, não conseguia descansar, tamanhas eram as dores nas costas. Convidei-a um dia para o meu leito. Mesmo quando melhorei, não o mostrei, acostumei-me à sua respiração ao meu lado, dá-me imenso prazer conversar com ela de manhãzinha, antes de assumirmos que o dia começou. Conta-me histórias da sua infância, de uma Cuba que não parece ser a minha.
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