Soncent

Soncent

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O Bispo do Pipo - Extracto de um inédito

Passou de manhã o Bispo das Caldas, também conhecido por Bispo do Pipo, por causa de uma longa história que não interessa contar. Dei-me conta agora de que se não uso tento nas palavras e não as conto, a tinta não dará para contar tudo. E que mal seria, se perto do fim, caro leitor, o deixasse sem mais linhas para ler! Nem imagino bem o horror, bem sei o que custa. De maneira que tentarei poupar no número de palavras, mesmo que tal empobreça o meu Português. O tal Bispo era de linhagem nobre, parente de uns fidalgos de cepa antiga, os Monte da Lua e Afavos. Pertencia-lhes um castelo em ruínas num vale verdejante, de uma tal fertilidade que apodreciam frutos pelas ruas sem que ninguém se interessasse em recolhê-los. Diz-se que havia uma grande maldição assombrando o vale, e de facto acontecia que quem lá fosse não voltava. De alguma morte meio violenta padeceria.

O próprio Bispo do Pipo nunca conheceu o tal vale. A mãe dele, Dona Areteia e Franco, ficou grávida no dia em que completou treze anos. Fora violada por Sorbero Monte da Lua e Afavos, descendente directo do primeiro conde Monte da Lua e Afavos e quarto irmão numa ninhada de jovens robustos e saudáveis que morreriam todos ao completar os vinte anos. Sorbero pensara ter escapado à maldição ao sair do vale com a mãe, depois de completar os quinze anos. Era uma longa jornada com destino ao Porto dos Cavaleiros, na zona leste do país.
Pernoitaram em casa de amigos da família, que nessa noite comemoravam o aniversário de Areteia, primeira filha de um feliz casamento entre uma escandinava de boas famílias, Fungiteia e Mário e Franco, governador da província de Pastos. Areteia completara doze anos e sorria incessantemente, com duas rosas vermelhas na face: bebera um cálice de vinho pela primeira vez e sentia-se deliciosamente embriagada.

Encantou-se com Sorbero, pelos seus olhos pestanudos e porte viril. Fugiram para o jardim, onde entre sussurros, ela confidenciou-lhe, orgulhosa, que se tornara mulher nessa manhã. Ele comentou: “Então se houver sangue, não saberemos do que foi!” Ela não percebeu logo. Mas quando ele a agarrou e a deitou no chão, subindo-lhe até o umbigo o vestido de folhos e revelando as calcinhas alvas, com o grande volume do pano branco dobrado, ela sentiu o medo que gerações de mulheres, desde sempre, têm sentido. De nada lhe valeram os pontapés, as tentativas de manter as pernas fechadas. O rapaz era bem mais forte que ela e tinha experiência nessas andanças de cão com cio.

O casamento fizera-se à pressa e Eritreia acompanhara Sobrero e a mãe na longa jornada. Em vão. Sobrero, com a mania dos cavalos selvagens, dera uma queda fatal. Quando a criança nasceu, foi prometida à Igreja. Eritreia voltou para casa dos pais, com o miúdo. Era, como a mãe, um menino pequeno e magro, pouco dado a traquinices, que passava longas horas perdido nos jardins da casa materna.

Eritreia ficara tão pouco tempo casada e era tão nova que olhava para o filho como mais uma boneca. Apaparicava-o e vestia-o com folhos várias vezes por dia, roupas que ela própria cosia. Com os longos cabelos da criança, fazia elaborados penteados que logo a seguir desfazia para fazer outros. E Rodrigo Mário e Franco Monte da Lua e Afavos foi crescendo, tão amigo dos padres que nunca questionou a sua entrada para o seminário. A não ser da única vez que se apaixonou.

Mas a eleita, uma poetisa astróloga, olhou para as mãos de camponês que ele tinha e fugiu-lhe, alegando que não estavam feitos um para o outro.
(...)

Sem comentários: