Soncent

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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Grafite

Conhecemo-nos num banco de escola e já aí, via-te fazer desenhos nas capas dos cadernos, nos tampos das mesas, nas paredes das casas-de-banho. Era a tua maior fã. Já lá vão anos. (Mas continuas o mesmo miúdo... e eu, a maior fã.)

Sei que sempre quis estar contigo mas nunca percebi bem como te deixaste agarrar por mim... (E no entanto, celebrámos já 8 natais.)

Não falas muito mas sempre te percebi bem, não pelos gestos que fazes com as mãos, nem pelas expressões do teu rosto sempre fechado. Pelos teus desenhos apenas.

Eu sei, eu sei, eu sei, que não há mentiras nem invenções no que desenhas. Nos teus graffiti coloridos nunca tiveste um pensamento obscuro, nos teus graffiti a cores, não enrugavas o cenho.

Foi assim que descobri nos riscos mais grossos a tua imensa felicidade, nas tremuras vi que hesitavas, nos contrastes de cores percebi que nos comparavas e nos redondos descobri que querias partir.

Andei a cidade toda a decifrar os desenhos que fazes com latas variadas, em palácios, postes, muros a cair de tão podres ou onde a polícia te deixa e os bandos não te estorvam.

Barcelona fora, percorri a rota dos artistas renegados, ilegais, de arte não transportável. Arte de rua, o teu sítio preferido. Vi-me por toda a parte, mas com a tinta velha de quem foi desenhada só no passado.

Agora desenhas caras novas, uns olhos diferentes dos meus.

Podia comprar uns quantos baldes de tinta e cobrir todos os teus desenhos, por maldade e medo e raiva de ser abandonada.

Podia esvaziar-te as latas de tinta na sanita, cortar-te a mesada.

Podia chorar como uma desalmada, dar razão aos meus pais e largar-te.

Podia sentar-me quieta à espera que seja só uma paixão rápida e no fim, optes por mim.

2 comentários:

Helena Fontes disse...

Lindo, lindo demais...

Eileen Almeida Barbosa disse...

Obrigada, Helena, iso é sempre bom de "ouvir".