Soncent

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quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Irmãs





A minha irmã Nádia, dois anos mais velha, foi unanimemente considerada mais bonita que eu durante toda a minha infância e adolescência, o que fez com que eu desenvolvesse, além de um sério complexo, um sentido de humor refinado, muita lábia e um aparente desinteresse por coisas femininas e coisas comuns. Ela, para além de muito bonita, estava sempre bem vestida, com as roupas engomadas e ai de quem lhe pusesse um braço no ombro, não lhe fosse amachucar a blusa. 

Sabendo que não estaria nunca mais bonita ou mais arranjada do que ela, eu vestia-me para ser diferente e não raras vezes, ela me chamou horrorosa e me disse que se insistisse em ir a algum sítio vestida dessa forma – lenços amarrados à cabeça que nem Rambo, dois pares de meias de cores diferentes em cada pé – eu teria que ir do outro lado do passeio para que ninguém soubesse que éramos irmãs. Ora, eu tinha pelo menos uma personalidade firme porque não me lembro nunca de ter ido trocar de roupa. 


Ia, então, do outro lado da rua, dizendo-lhe, no entanto, que qualquer um olharia para as duas e saberia que éramos irmãs.  Enfim. 

O que aconteceu foi que aos 14 anos ela foi viver para os Estados Unidos e passou a vir só nos verões. Então, eu ganhei o meu espaço, fiz os meus amigos, sentia-me bem na minha pele até ela vir de férias, cheia de roupas fixes, com carta de condução aos 16 anos e meio e com meio metro de cabelo caindo pelas costas. Era só ela chegar que eu me eclipsava. Até os meus amigos mais próximos encontravam-me na Praça Nova e sem mais, exclamavam: 
- Oi Eileen. Ondê Nádia? 
Quando já éramos as duas mais ou menos adultas – pois eu também já tinha a minha carta de condução, ela veio passar mais umas férias e as duas ficamos encantadas com um rapaz que trabalhava num supermercado lá em Mindelo. Íamos lá, ficávamos coquetes a trocar olhares com esse rapaz e ele lá distribuía sorrisos também na nossa direção. 
Uma vez fui lá sozinha e senti que finalmente tivera a minha glória, depois de anos e anos de comparações desfavoráveis e humilhações: ele falou comigo. Cheguei a casa e contei à Nádia, triunfante:
- Hoje ele falou comigo!
- O que foi que ele disse?
- Não sei – expliquei logo – eu já estava a entrar no carro quando ele me disse qualquer coisa à distancia. Ainda lhe fiz um gesto com a cabeça a dizer que não percebera, ele repetiu, mas continuei a não entender. Mas não interessa. Ele falou comigo. 
A minha irmã sorriu e deu-me os parabéns. 
Da próxima vez que lá fomos, aproximei-me do bonitão e perguntei-lhe:
- O que foi que me disseste no outro dia?
E o desgraçado, o feioso, o ignorante abre um sorriso charmoso e diz-me:
- Estava a perguntar-te onde estava a tua irmã! 


21 de janeiro de 2019

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