A minha vida em tempos de COVID-19 tem sido exatamente aquela que sempre desprezei: a mulher que não sai de casa, que passa os dias todos iguais, a cuidar da criança, a varrer, a limpar, a dar banho e a “ver novela”: séries de água com açúcar porque desde que pari, toda a violência me choca; em contrapartida, basta que apareça um bebé na tela para que eu me derreta.
A minha bebé celebrou seis meses sob o signo do confinamento: houve um bolo comido apenas por dois; houve um vestido que apenas serviu para a foto. Mas ela riu-se toda e pousou orgulhosa. Suponho que ela nunca foi mais feliz, na sua curta vida: tem a sua mamã o tempo todo ao seu lado. E tem a novidade de ter um papá muito próximo, a brincar com ela todos os dias, a deixá-la explorar-lhe a barba farta, que ela adora! Para ela, ele é o parque das diversões. Para mim, é quem cozinha e lava a loiça. As coisas funcionam muito bem.
Antes da pandemia, por ser intérprete e tradutora, a minha vida dividia-se entre os dias em que trabalhava, e os dias em que não. Eram muito diferentes. Nos dias em que ia trabalhar, levantava-me cedo e dava de mamar à Elba; trocava-lhe a fralda e fazia-lhe uma higiene básica; tomava o pequeno almoço, tirava leite, ia tomar banho e antes de me vestir, tentava espremer-lhe mais umas gotas de leite na boca, para logo depois sair com os minutos contados para chegar ao destino. A Lena, a minha empregada, ficava com a Elba até à hora do almoço, quando eu vinha repetir a rotina de dar de mamar, comer, tirar leite e sair à disparada. Geralmente terminava por volta das cinco e vinha também a correr para que a Lena pudesse ir embora. Nesses dias, e como ainda dou de mamar entre duas a quatro vezes por noite, ficava esgotada e tentava pôr a Elba cedo na cama, para poder descansar; ao mesmo tempo, sentia-me culpada por lhe dar tão pouca atenção.
Já nos dias em que não trabalhava, levantava-me junto com ela, e ao longo do dia, eu e a Lena íamos alternando estar com ela. A Lena gostava de a pôr nas costas e era assim que a punha a dormir. Já eu inventava umas brincadeiras para fazer com ela, como dar-lhe um banho surpresa na varanda ou preparar-lhe uma travessa com grãos de feijão para ela chutar. Noutros momentos, podia sentar-me ao computador, fazer umas traduções, ou jogar às cartas ou fingir escrever. E a Lena às vezes diziam-me umas palavras mágicas: “Vá descansar um pouco que eu fico com ela.”
Agora, a principal diferença é que eu é que tomo conta da casa. E da roupa. De tudo, menos da comida e da loiça.
Devo dizer que no início, estava até que contente. Aquela felicidade que vem da ingenuidade: vou aproveitar para limpar bem – sou daquelas que limpa com escova de dentes, lá bem atrás, lá onde ninguém vê – vou aproveitar para organizar tudo na minha casa, todas as gavetas e prateleiras. E estive uns dias assim: quando a Elba me deixava, arrastava a cama, limpava bem cada centímetro, avaliava o trabalho da minha empregada.
Mas a bebé como que foi deixando menos. Eu também me fui importando menos. No início, limpava tudo, dia sim, dia não, ia até ao cantinho mais inacessível. Agora, faço o básico, se não der hoje, faço amanhã. Passo muito mais tempo com ela, de fato. Não apenas a deitar um olho, mas deitadas na cama a brincar. Ou sento-me no tapete com ela e tento seguir a sua lide em relação ao que fazer.
Suponho que abrandei. Sofro de dores nas costas de tanto andar com ela ao colo e de fazer as limpezas. Estes tempos coincidiram com ela aprender a sentar-se sozinha, a crescerem-lhe dois dentinhos, a começar a comer sólidos. Aprendeu a gostar de um fado da Mariza, basta que o toque para ela interromper o choro e pôr-se a rir.
Estou farta de estar em casa. Estou farta e sinto que em todos os aspetos, estou a desperdiçar a minha vida. Menos neste: a Elba é o elo com a minha família, que liga para a ver; é o elo com o meu namorado, porque acabamos ambos por estar de volta dela, e à noite, quando ela já dorme, comentamos o que foi ela fez ou deixou de fazer.
Descobri que para além do amor óbvio que sentimos pelos nossos filhos, eu gosto cada vez mais da Elba pela pessoa que ela é. E isto de estar sempre em casa permitiu-me ao menos isso: conhecê-la mais profundamente, viver no seu ritmo. Mas ela também sente falta de sair à rua e tenho pena pelas experiências que ela vai perdendo: ainda não tomou um banho de mar, há muito que ninguém mais a põe ao colo, nunca viu um gato, há uns meses que não vê um cão. Às vezes vem um pardal à nossa janela, mas nenhum deles vê o outro.
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