A minha menina fez 9 meses hoje. Tem sido uma alegria. É a bebé mais bem-disposta que já conheci. Sorri a toda a hora, sorri com toda a gente.
Foram meses de muito amor e aprendizagem. Mas também nove meses a pensar se haveria ou não de escrever sobre o meu parto. Tive hipóteses de ir ter a bebé a São Vicente, a Portugal, nos Estados Unidos. Mas optei pela Praia porque é onde moro, porque queria parir e vir para a minha casa, onde tudo estava preparado para ela. Tinha sido avisada que as enfermeiras não eram particularmente carinhosas, mas imaginei que compensaria poder regressar logo a casa.
Fiz aulas de preparação de parto. Aprendi a usar a bola medicinal durante as contrações. Foi-me dito que deveria levar duas malas ao hospital: uma para mim, outra para a bebé.
Na noite em que fui à maternidade, já em trabalho de parto, fico a saber que afinal só podia subir lá para cima com uma mochila. Foi no meio das dores que nunca tinha sentido que tive que estar lá com as duas mochilas a tirar coisas de uma e de outra, para poder levar as minhas camisolas de noite, mas também as fraldas dela, as minhas chinelas, mas também a primeira roupinha que lhe queria vestir, as toalhitas, o papel higiénico, porque até papel higiénico uma parturiente tem que levar consigo.
Quando cheguei lá em cima, dei boa noite à enfermeira que veio ter comigo. Claramente incomodada por ter sido tirada da cama, não me respondeu à saudação. E assim começou o padrão: duas enfermeiras, cada uma mais fria do que a outra, mais distante, mais impessoal. Não me disseram o seu nome, não se importaram com o meu.
Quiseram-me na cama, deitada, quando a mim, as contrações doíam um pouco menos de pé. Comecei a fazer os exercícios que tinha aprendido e uma delas disse-me que só me iria cansar porque ainda demoraria bastante a parir. Tinha diarreia, o que é muito comum devido às contrações. A casa de banho, que servia dois quartos de 3 camas cada, não tinha luz. Uma pessoa é obrigada a lá ficar de porta aberta, para poder ver minimamente. Quando uma parturiente que estava ao meu lado foi para a sala de expulsão, devo ter ficado umas duas horas seguidas sozinha, sempre a ir e a vir. Quis ir andar no corredor, uma servente fez-me saber que tinha que ficar no quarto. Pedi uma bola medicinal, a servente disse-me que teria que falar à enfermeira. Quando uma delas finalmente apareceu, e lhe pedi a bola, ela respondeu secamente:
- Elas estão sujas de pó. (não achou pertinente pedir alguém que lhe passasse um pano ou por uma chuveirada).
Fui imensas vezes à casa de banho e usei várias vezes a arrastadeira que me tinham dado. Senti dores como nunca tinha imaginado, mesmo com todos os relatos que já tinha ouvido. Numa das vezes em que me faziam uma CTG, quis pôr a mão em cima da da enfermeira, pedir-lhe uma palavra de consolo.
Mas a frieza delas era tanta que não tive coragem e fiquei dentro de mim com a minha dor, tentando os exercícios de respiração, querendo pedir uma cesariana, sem paz nem descanso. O meu trabalho de parto começou à meia noite e pari às 4.46. Não houve intervalos entre as contrações, não houve posição na cama que me trouxesse alívio.
Numa das vezes em que estava a espremer toda na casa de banho, senti uma dor ainda mais intensa e gritei. Dessa vez gritei mesmo. Uma das enfermeiras veio ter comigo, disse-me que saísse do sanitário ou ainda paria lá a bebé. Viu-me a dilatação e disse-me que estava na hora. Vomitei entretanto, e levaram-me para a sala de expulsão, com a fralda de adulto entre as pernas para conter o sangue. A maca para expulsão não dá jeito nenhum e já não é recomendada pela OMS. Mas foi nela que me fizeram deitar e foi nela que me obrigaram a ficar quando eu pedi para mudar de posição porque nessa, não estava nada confortável para expulsar a bebé.
Espremi até não poder mais. Disseram-me que espremesse mais ainda porque lá no canal onde ela estava, não dava para ela se demorar. Fui buscar forças não sei onde, gritei e acabei por pôr cá fora a cabeça dela. Depois de mais uns esforços, ela saiu toda e puseram-me em cima da barriga. Olhei para baixo. Uma cabeça ensanguentada, umas mãozinhas minúsculas, lilases, enrugadas como quando passamos muito tempo dentro de água. Murmurei, encantada,
- Elba, minha filha!, e levaram-na para os testes. Depois vieram puxar-me a placenta, que eu não imaginara tão grande e deram-me a notícia para a qual me tinha preparado disciplinadamente: Não me tinha rasgado.
Perguntei qual era o índice apgar dela.
- 9 e 10.
Suspirei de alívio.
Levaram-me depois para um quarto, numa cadeira de rodas, com a bebé ao colo. Pu-la imediatamente ao peito e ela ficou acordada, agarrada à mama das quatro e tal da manhã até às oito.
Na manhã seguinte, quando uma das enfermeiras veio ver se ela estava a mamar bem, foi simpática comigo. E pensei que afinal elas até têm a capacidade, apenas escolhem não o ser.
Vi e senti muita coisa nas minhas visitas ao hospital, quando estive lá internada. É verdade que há coisas que estão de uma determinada forma por razões que desconhecemos, e que desculpariam muita coisa. Mas ser HUMANO com uma mulher a parir não custa dinheiro, não depende dos meios. É uma atitude. É ter empatia. Não custa nada ter uma frase feita para quando chega uma parturiente:
- “Boa noite. Chamo-me Enfermeira Beltrana. Eu e a colega Fulana vamos ajudar-te a ter o teu bebé. Não é preciso ter medo!”
Pequenas atenções do género fariam toda a diferença. O parto, bom ou mau, é uma experiência que nos marcará para sempre. Tenho pena que essas duas profissionais tenham manchado tanto o meu.
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