Tentou ensinar-me muita coisa nesses dias e acabei por não aprender nada. Só me lembro das enormes unhas dela batendo no teclado do computador, sempre com muita força. Não as pintava; eram meio acastanhadas, duras, a tender para o feio, embora bem tratadas. Quem devia gostar era o Rodrigo, que a vinha ver tarde sim, tarde não. Rodrigo, um baixote que diziam ser bom no ténis, que tinha um braço bem mais forte que o outro. E eles ficavam mornando na varandinha que dava para o quintal enquanto ela limava as unhas e me mandava fazer recados. Tudo o que é bom acaba e ela foi-se embora num domingo à tarde e quando voltámos do cais, que vazia que estava a casa e como custaram as horas! À noitinha, estávamos os dois ainda macambúzios e só nos animámos com a chamada dela a dizer que tinha chegado bem e voltámos a ficar tristes quando desligámos o telefone. O papá ainda quis ficar a falar nela mas a minha saudade não deixou.
- Nas férias vais lá.
Nas férias eu não passava de um repetente e por castigo, fiquei sem viajar, sem comer sobremesa, sem ir jogar, sem ver televisão, sem nem poder fazer barulho à hora da sesta. Para quê férias assim? Quando pensava que ia dar em louco de tanto não fazer nenhum, peguei num dos livros que ela me quisera pôr a ler. Foi um acto de desespero mas na mesma foi com descrença que lhe peguei. Nunca fora do género de ficar quieto a ler.
Mas lá me embalei na leitura, murmurando baixinho as palavras e estava tão embrenhando que quase não dava por papá a espreitar da porta. Vi que ia dizer qualquer coisa mas calou-se no último momento. Ainda bem. Se me tivesse dito: Se tivesses começado a ler mais cedo, se calhar não tinhas reprovado, atirava com o livro para o lado e nunca mais lhe pegava, juro! Ia no segundo livro quando ela apareceu de surpresa.
Com aquele seu sorriso meio triste, olhando-me nos olhos enquanto me apertava o lóbulo de uma das minhas orelhas de abano. Gostava dela. Não me perguntou se tinha lido algum dos livros, apenas disse que os levaria com ela e obrigou-me a pedir que os deixasse mais uns tempos e confessar que já poderia levar os que já tinha lido. Só então me perguntou se tinha gostado e lá nos metemos por uma conversa de adultos, em que ela parecia mesmo querer ouvir a minha opinião.
Numa dessas noites em que saí com o papá para ir visitar um amigo dele, perguntei-lhe porque era que ele não se casava com ela. Ele explicou tanto que não percebi nada. Mas gostava dela. Ambos éramos loucos por ela. Às vezes discutiam, outras saíam a passear, animados. Nessa altura eu não percebia das complicações das coisas, só via em frente e era bem visivel que havia amor entre eles.
Por isso não entendi quando ela um dia me disse que vijaria, conseguira afinal um visto para a América e lá esperava-a um casamento com um velho e rico. Mas gostas dele, perguntei-lhe morto de ciúmes. Não o conheço ainda, meu amor, disse-me ela. Eu percebia cada vez menos e só fui ao aeroporto porque estava comvencido de que ela, no último momento, desmanchava-se a rir e dizia-me, Era tudo brincadeira, nha cretcheu. Não disse isso, só disse: Se quiseres ficas com os livros. Mas guarda-os bem porque vou querer revê-los.
Era só para me dar esperanças. Ela olhou para o meu pai, que disfarçava mal umas lágrimas nos olhos. Nunca o vira assim. Que mulher má, afinal, para o deixar assim! Dei-lhes as costas e corri por ali, sem ver por onde ia. Quando já o avião havia descolado, o papá apareceu à minha procura e fomos em silêncio para a cidade.
2 comentários:
oi Eileen fiz , uma versão do teu conto "Ela", "Ela reloaded" ...não leves a mal mas és fonte d'inspiração
Já li, Segisleu, obrigada. Encanta-me que seja uma "fonte d' inspiração". Farei por escrever cada vez melhor, para que tu também o faças, em vez de apenas meteres frases aqui e além, dando um outro encanto ao texto. Se um dia também tiveres lá algo original, tentarei adaptá-lo.
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