Soncent

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quarta-feira, 20 de julho de 2016

A gente da Praia - extrato de A Artista

 
A gente que a recebeu a Artista era boa – o Anacleto era sobrinho do Honório e vivera uns tempos em casa dele, daí sentir que tinha a obrigação de velar pela Imelda. Era um homem sóbrio, careca e bastante queimado pelo sol, com uma perna ligeiramente mais curta que a outra. A Santinha, a mulher dele, era uma santa. Muito protetora, muito decidida a pôr alguma carne nos ossos da priminha, coitadinha, que viera da Boa Vista carregada de queijos, mas estava tão magrinha. A Santinha era muito parecida com o marido, alta, escura, de ombros um pouco largos de mais e umas mãos enormes.

Eles tinham três filhos em casa e a Artista tinha que partilhar o quarto com as duas meninas da casa. Que  eram excelentes miúdas. Simpáticas e carinhosas. A Artista é que, até à data, não partilhara nada. Nem quarto, nem sono – acordava por qualquer motivo, muito assustada – não estava acostumada ao barulho todo em casa, não estava acostumada sequer ao suave ressonar da prima Babinha, que sofria de alergias. O susto maior vinha da Roselma, a prima mais velha, que rangia os dentes nos dias das vésperas dos testes na escola. Também estranhava ter que esperar para poder ir à casa de banho, a mesa numerosa, ter que comer o que estivesse na mesa ou ficava com fome. 


Eram muito rigorosos também. A Artista rapidamente se apercebeu que terminar o Liceu nem era tão importante como arranjar um marido que a tirasse de casa. Queria ser mais livre, mais dona do seu nariz e implicara visceralmente com o cheiro a doces constante da cozinha da Santinha, que os fazia para vender.

Procurava passar o máximo de tempo possível no Liceu, que era onde se sentia adulta, onde procurava encaixar ora num grupo ora noutro, tentava adaptar a sua pronúncia para não ser alvo de risos dos outros sempre que falava.
 
E foi a vir do Liceu que ela conheceu o Mário Lino Neves. Ela vinha com uma colega muito bonita, a Sara Aleida. O Mário reparou na Sara e parando o carro devagarinho ao lado da moça, ofereceu-lhes boleia. A Sara hesitou e foi a Artista que abriu logo a porta do carro, aceitando pelas duas. Embora se tenha sentado atrás, dominou a conversa. Era divertida e fresca, e embora não fosse particularmente bonita, tinha um sorriso largo e agradável.

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