Soncent

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segunda-feira, 4 de julho de 2011

O evoluir de uma maria-rapaz

 
A minha vida tem sido um evoluir ao contrário. Não no sentido Benjamim Burton, mas no sentido oposto aos mamíferos que são fêmeas inicialmente para depois pouco mais de metade se tornar macho. Tenho por mim que comecei por ser macho, para o qual há-de ter pesado o caso de o meu pai já ter duas meninas e ter portanto decidido que eu seria um Ryan da vida. Convenceu-se, convenceu a minha mãe, a pontos que quando nasci, o Dr. Fadel perguntou à mamã (Em Dacar, onde se deu o parto) se ela queria saber se era rapaz ou rapariga e ela respondeu "Je sais que c'est un garçon!" Eu ainda nem pescava grande coisa do francês mas senti o meu mui pequeno útero retorcer-se dentro de mim, renegado ao primeiro oxigénio gasoso.

Já na Guiné, tinha duas irmãs à espera. Uma, muito contente. Outra, muito ciumenta.
Com dois meses de idade, disse à mamã que a vida em Bissau não era para mim. A história de estar à luz de velas, de não haver leite no mercado, do calor excessivo mais os mosquitos... Deixou-se convencer mais uma vez, catou os seus poucos pertences e desembarcamos em Soncent. Praticamente mão à frente, mão atrás, mas desde que tivesse o meu leite, estava feliz.

A Nádia tornou-se na miss Cruz João Évora, de tão bonita e elegante. Eu já tinha olheiras até à cana do nariz e era tão calada e bem comportada que a mamã achou que eu ia ser tanã. De vez em quando, a Nádia conseguia dar-me uns trambolhões mas sobrevivi mais ou menos incólume às carradas de pancada que ela ainda tinha reservadas para mim. Geralmente, depois de chorar por mais uma sova, despia a blusa, amarrava um lenço na cabeça feita Rambo e metia-lhe um soco vertical no meio das costas, com o resultado garantido de um bom choro. E contava os dias até que as suas maminhas em forma de pudim flan começassem a ser um ponto fácil de repressão.

(...)

9 comentários:

Angelo disse...

Eileen, eu gosto de seu estilo de escrever. Muito divertido. Você deve escrever um livro. Muitas pessoas vão comprar!

Nadia disse...

Ha ha ha. E olha la como evoluiste. Hoje es mais Maria do que eu.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Obrigada, Angelo. De facto, já escrevi e publiquei um livro, que as pessoas quiseram comprar.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Sou mais Maria, mas vamos ter que formar um júri para avaliar se é mais do que tu... há características que nao mudam...

Luisa disse...

Que agradavel um autentico "breath of fresh air". Muita luz sempre.
Saudacoes de Boston.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Luísa, não imaginas como fiquei contente ao ler as tuas linhas! Espero que esteja tudo bem contigo e família. Tu já nasceste Maria ou também foste uma Rapaz?
Beijo grande!

Luisa disse...

Cara Eileen, eu ja tive a minha fase de rapaz...foram varios meus colegas de infancia que foram apedrejados por causa de uma mera tentativa de conquista infantil e inocente!

Muita luz e paz sempre!

helga disse...

Uau!!!!
Devo dizer que já nasci Maria, mas não com o teu maravilhoso dom da escrita!
Continuá sempre assim! Bijim

Kuskas disse...

Eileen, adorei o texto ahahah
Eu nasci "pipita", mas fui rapaz e continuo rapaz até hoje ahahah. Mesmo depois de ter sido mãe, continuo rapaz e pelos vistos a minha querida filha vai no mesmo caminho.
A minha vida inteira só briguei com rapazes (dá d'soco, dá d'pedra por causa de conquistas juvenil), meus melhores amigos são homens e segundo um deles, hoje em dia, apesar de usar vestidos e salto alto, continuo a afugentar os homens, com o meu jeito maria-rapaz de ser.