Soncent

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quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Eu e o Arnod Schwarzenegger

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Fui criança na década de oitenta. Aos fins de semana ia ao cinema e saía sempre entusiasmada. Se fosse um filme de karaté, eu vinha pelo caminho a imaginar-me karateca. Já tinha estado numa escola de artes marciais, mas tinha considerado o ensino muito lento para quem queria, como eu, ser ninja. Igualmente, se via um filme de dança, não conseguia evitar ir para casa dançando pelas ruas. O mal é que na manhã seguinte, misteriosamente, já estes entusiasmos tinham desaparecido.

Andei no Liceu na década de noventa. Era o tempo dos empréstimos. Lia livros emprestados, via filmes emprestados. Lá em casa, tínhamos apenas três filmes nossos: Carmen, um musical operático que nunca consegui ver até ao fim, de tão aborrecido que era; A Missão, que sempre me fazia chorar no final, e África Minha, um filme muito bonito, mas sem legendas. À falta de mais para fazer, via e revia estes últimos dois.

 Um dia, alguém me emprestou uma cassete VHS com um documentário sobre o Arnold Schwarzenegger. Recebi a cassete com algum desinteresse. A mim não me atraiam nada os homens muito fortes, aliás, não via o interesse de uma pessoa se encher de músculos a ponto de não conseguir coçar as costas.

Mas à falta de mais distrações e porque tinha que devolver a cassete, lá me sentei um dia para ver o vídeo. Foi uma grande surpresa para mim. Não fazia ideia de que o culturismo fosse tão interessante. O documentário relatava o começo do Schwarzenegger ainda na Áustria, a levantar pesos a partir dos 15 anos. Depois ele foi competir nos Estados Unidos e acabou ator de cinema. Eu nem tinha noção de que o culturismo fosse um desporto. Vi a dedicação e esforço que eram necessários para ter um corpo assim, a disciplina e as privações. Achei bonito. Achei interessante. Decidi nessa hora, nessa tarde, que eu também me dedicaria ao culturismo. Começaria a treinar imediatamente. Iria escolher criteriosamente a minha alimentação. Arranjaria umas luvas e passaria o meu tempo enfiada num ginásio, a levantar pesos. Haveria forma melhor de ocupar os tempos livres?

Nessa noite, vesti um par de jeans e uma camisola de manga comprida e fui à Praça Nova. Não levei brincos nem cordão nem nenhum outro enfeite. Não precisava.

Encontrei um amigo com quem me pus a dar voltas na praça a conversar. Numa das voltas, ele deteve-se junto a um banco onde estavam 3 rapazes sentados e enquanto eles falavam, os rapazes ficaram a lançar-me uns olhares. Eu estava de pernas um pouco afastadas, e mãos atrás das costas, numa posição de um militar de serviço à porta do quartel. Vi que eles olhavam para mim e na minha cabeça, eles estavam a olhar porque já me viam cheia de força e perguntavam-se porque é que uma mulher se enchera de músculos daquela forma. Eu olhei para a frente e não me importei. Os músculos todos que já sentia ter davam-me uma confiança tal que não me sentia minimamente inclinada a justificar coisa nenhuma. Gostaria de dizer que depois disso me fui inscrever num ginásio.
Mas foi, infelizmente mais uma daquelas decisões que desapareciam misteriosamente durante a noite.  

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