Soncent

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Imelda

Tinha o nome mais lindo de que me posso lembrar: Imelda Francisca Silva Soares. Imelda soa-me muito bem, à boca e ao ouvido. O mel que nos faz abrir a boca e o requebro da língua para finalizar o som. O Francisca evoca monumentos, quiçá, um monastério austero. Austero é a palavra para descrever Francisca. Fazia-a toda pudica e tímida e bem comportada, mas o Imelda deixava antever alguma malícia. Que ela não tinha. A minha Imelda era tímida mesmo, de uma timidez medonha e desenxabida. Não era bonita. Era alta, sim, mas de formas difíceis. Peitos encaixotados em costelas largas, pernas indefinidas, não eram magras nem gordas, nada se destacava e tudo destoava.

Mas o seu sorriso cobria tudo e pouco me detinha nos seus pormenores inoportunos. Conheci-a durante um escrutínio na Ribeira Bote. Era a que contava os votos e enganou-se tantas vezes que tive que me sentar ao seu lado para juntos, podermos contar um a um e ir apontando num caderno. Eu apontava com quatro traços cortados a meio por um quinto, ela fazia cinco traços e uma bola à volta, que não significava nada, só confusão. Mas ela era tão mansa que não deu resposta às minhas provocações, eu queria discutir e ela sempre apaziguadora. Depois que já me tinha enrabichado por ela, descobri que não era casada mas vivia maritalmente, não tinha filhos, mas criava os do companheiro, não era feliz, mas era fiel.

Contra tudo isso, eu só tinha a minha teimosia, o meu orgulho, os meus olhos verdes e os meus quase dois metros, mais de cem quilos. Tinha de a conquistar. Não para a tirar de casa, apenas para saber que pecara por mim. Porque era meio religiosa também e assim, o pecado teria um sabor ainda mais doce.

(...)

2 comentários:

Anónimo disse...

Havia outra Imelda, a das Filipinas, casada com o ditador Marcos e que era doida por sapatos: tinha milhares deles. Não me lembro de a ter visto na Ribeira Bote...!

a) RB

P.S.: Um bom 2011

Eileen Almeida Barbosa disse...

Bom ano, RB. Havia, de facto, a outra Imelda. Se gostava de um sapato, compravo-o em todas as cores.