E os teus amigos que te sobraram, que sabem que o fazes, que passas a vida a inventar histórias de amor em que tu és o herói, o português que foi a Mindelo ora para trabalhar, ora de férias, ora numa curta viagem de serviço e conheceu a moça mais linda da ilha, a mais encantadora, inteligente, a mais morena, com os cabelos mais sedosos, a que te amou desde o primeiro momento ou por quem tiveste que lutar, por quem perdeste o avião ou desafiaste a tua directora ou roubaste a um noivo ciumento praticante de boxe amador, acreditam que, de algum modo, isso ajuda-te. Crêem que, cada vez que contas uma história em que tu e a Janice são protagonistas, digeres um bocadinho a tua dor, esta torna-se menorzinha. Andaste a inventar mais histórias, não foi? A escrevê-las até, a ver se alguém tas publicava. Quem sabe? Pode até ser que as publiques. Português, tudo o que puderem fazer por ti, os teus amigos farão. Mas não penses que acreditarão que recebeste cartas dela, mesmo que as mostres, realmente escritas por uma mão feminina e um pouco tremida e inclinada, num papel com nuvens cor-de-rosa:
"Encanta-me que estejamos a ouvir a mesma música, vendo as mesmas fotos. Fotos de ambos, tiradas com amor e medo de nos esquecermos das feições um do outro. Encanta-me que estejamos ambos com saudades um do outro, sentindo-nos sós, mas com o consolo de saber que o outro deverá estar a pensar em nós. Entristece-me a diferença horária, que te põe a dormir quando ainda estou acordada e te poderia chamar. Tenho tantas saudades tuas!
Encanta-me que eu olhe para tudo com os teus olhos, a ver se gostarias do que vejo. Vejo esta terra como se não fosse a minha. E é assim que ta quero descrever.
Esta terra seca e árida, onde insistimos em encontrar beleza, onde insistimos em sobreviver, tal acácias, lutando, ombro a ombro com elas, ombro a ombro com as nossas cabras, para medrarmos na terra ressequida, para nos sentirmos saciados só de olhar para os diferentes tons de castanho das nossas rochas, para bebermos apenas dos nossos violões que cantam esperanças, para nos sentirmos ricos com moedas de bolachas de trigo enchidas numa lata de leite em pó. Esta terra e as suas gentes. As suas gentes que na sua maioria vieram de outras ilhas, ilhas mais verdes mas onde não havia trabalho para elas. Ou não havia escolas para os filhos. Gentes que vieram de passagem mas ficaram, seduzidos pelo encanto que esta cidade teve e tem.
Uma terra de gente humilde onde mesmo os mais ricos e importantes descem à realidade quando visitam os pais ou avós, gente modesta, que fala devagar e alto. Faz vento e sempre que se toma banho, o sabão arranca uma camada de pó que faz castanha a água. As moças novas são quase todas bonitas e bem feitas, vestem-se com vaidade e têm olhos de beleza surpreendente. Os homens são mais feios, mas quase todos com músculos invejáveis, bem torneados, pele bronzeada e dentes brancos. As senhoras envelhecem bem, de corpo, mas são muitas as rugas. Os senhores ficam patéticos com tanta rapariga nova…
Para uma terra destas convido-te eu para vir viver… numa terra destas descobrirás encantos que eu nem me dou conta."
Não acreditarão nestas cartas mas admirar-se-ão das coisas que consegues inventar para escrever, daqui a nada serás o estrangeiro que mais coisas terá dito sobre a ilha, como se tivesses lá passado uma vida. Daqui a nada, apareces até a falar crioulo e então é que a tua encenação estará perfeita.
Mas até lá, terás que te contentar com as tuas fábulas. Com estas fábulas que também tentas vender aos teus conterrâneos, a quem vais gabando a morabeza das gentes de São Vicente, a simpatia descontraída com que recebem um estrangeiro, a solicitude que mostram ao quererem sempre ajudar e lembras-te da forma como conheceste o Níquel, numa noite em que deambulavas pela Ribeira Bote e houve um corte geral de energia. Tropeçaste literalmente no Níquel, que se encontrava sentado numa soleira de porta, com as pernas magras estendidas à sua frente. Tropeçaste, caíste e ele é que te deu a mão para te levantares e te convidou a sentar-te junto dele até que a luz viesse. "Ribeira Bote não é zona para se andar assim no escuro…", disse-te naquela sua voz pachorrenta de quem já parece estar high mesmo sem fumar nada e no breu que se fazia, contou-te a história da zona libertada, do cocktail Molotov, e disse-te que tinha uma tatuagem do símbolo da zona feita no braço. Falou-te dos sucessos da equipa de futebol e do moçambicano que só sabia falar crioulo quando bebia grogue.
2 comentários:
ez conto é nha droga... um kre mas... hehehe
Com todo o respeito, esperava mais do conto. Acho que as mudanças de assunto/descrições (algumas vezes)são feitas de forma bruscas, ou seja, leio 1 frase/assunto e qdo leio a frase seguinte, o assunto ou tempo verbal já mudou (sem paragrafo). aconteceu-me algumas vezes! Voltei pra trás pra ler outra vez.
Outra coisa q tenho a acrescentar: qdo acabei de ler uma parte do conto, não me ficou o bichinho da curiosidade para ler a parte seguinte!
Precisas aperfeiçoar a "continuação", nos teus contos, pq o segredo do sucesso de alguns autores é começarmos a ler e ñ conseguirmos parar.
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