Soncent

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sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Sobre nós

Quando andei a estudar no Algarve, os meus colegas condoíam-se muito de mim. Aos fins-de-semana, rumavam em peso “para casa”. A maior parte era do Alentejo e só faziam umas cinco horas até casa. Alguns, do norte, levavam umas dez horas bem feitas, ou mais, entre comboios e autocarros – camionetas. Levavam a roupa suja em sacos e vinham carregados de comida, queijos, doces, pães, traziam enfeites para os quartos, mais roupas. E diziam-me: “Então, e tu não vais a casa?” E eu, para me consolar, dizia-lhes – ah, mas se fosse, em menos tempo estava no Sal, ou até em São Vicente, do que tu levas de comboio.

Mas ficava em Faro aos fins-de-semana, já se vê, numa cidade que se tornava meio fantasma porque eram os estudantes universitários a dar-lhe vida. E apesar de me terem sabiamente aconselhado: “Aproveita que estás na Europa e vai conhecer os outros países!”, eu aproveitava qualquer oportunidade que juntasse tempo e dinheiro e vinha matar saudades à terra. À minha. Com pena dos que, com menos sorte, passam o tempo inteiro no curso sem poder cá vir. E com uma inveja desgraçada dos que têm parentes numa companhia aérea e lhes fica mais barato virem de passar um fim-de-semana comprido a Cabo Verde do que irem de Faro a Lisboa, que são 3 horas e tal.


E quando lá chegava, quando sentia na cara o bafo calorento do Sal, sentia uma felicidade! Passava os primeiros dias de férias numa espécie de modorra pachorrenta, vestindo as minhas roupas mais antigas, vadiando pela casa, deleitando-me tão-somente com o facto de estar cá. Mas lá se passavam as férias e era outra vez tempo de dizer adeus, exactamente quando já estava completamente integrada, outra vez, no grupo de amigos que cá ficou, nas rotinas e no dolce-far-niente. Então partia-se-me o coração, dizer esses adeuses às paisagens, ao clima, aos amigos e parentes.
Quando voltei finalmente, também já tinha muitos laços construídos em Portugal e foi outra vez uma resma de adeuses.

E agora que estou cá, sinto a falta de grandes amigos que ficaram na terra longe, e vou dando-me conta de como esta nossa sina de cabo-verdianos é doída. Esta sina de vivermos espalhados, sempre um pouco distantes demais para dar um abraço a quem amámos, sempre pendurados e dependentes da linha do telefone, do teclado do computador e antes, dos envelopes dos correios.


Ao contrário de muitos dos meus colegas portugueses de curso, que nasceram num sítio onde já os pais tinham nascido e lá cresceram, saíram para estudar e para lá voltariam, e portanto vivem rodeados do seu mundo muito familiar, nós somos um povo que tem relacionamentos intervalados, amores suspensos, momentos constantemente adiados, amigos, parentes e amantes separados por oceanos. Saudades. Somos um povo de saudades, de festas que passamos separados uns dos outros, de reencontros breves e partidas doridas. Ou não fossemos um povo espalhado por ilhas, algumas cabo-verdianas, outras pelo estrangeiro fora. Os nossos emigrantes devem ser os que melhor conhecem o sabor amargo de entrar para um barco ou avião depois de ter murmurado as despedidas. De ter distribuído abraços bem apertados, e tentado engolir lágrimas teimosas.

Acho que isto deve interferir de alguma forma na nossa maneira de ser, na nossa maneira como encarámos a nossa vida. Não só na nossa música, na nossa escrita, nas nossas vivências diárias.

8 comentários:

Anónimo disse...

bem verdade... então essa parte d nao vais passar o fim d semana a casa... ou qdo dizemos - nao vejo os meus pais ha um par d anos.. o olhar d choque... é como dizes, sina d crioulo...

Eileen Almeida Barbosa disse...

Pois é, Dudão, sei que tu e muitos mais sabem muito bem do que estou a falar... Devíamos todos ser filhos da TACV.

Anónimo disse...

E a parte do regresso das férias, qdo uma pessoa já se integrou a tudo! pra mim é pior. choro sempre!

Anónimo disse...

Somos um povo ilheu...o mar chama-nos..."Si ka badu, ka ta biradu"

Anónimo disse...

Puxa, Eileen, adorei. Não é coisa de mãe, não, está bem escrito mesmo.


Um beijão

mamã Lena

Unknown disse...

Pô, obrigada, mãe. Não estava nada à espera. Na verdade, escrevi isto para A Revista, mas como nunca mais dizem nada...

Anónimo disse...

Olà Eileen...Ao ler o teu texto e como cada caboverdeano que o lê, revivi por uns instantes a minha história. A primeira vez que saia de Cabo Verde e que apanhava um avião... Entre tempos, cada regresso euforico a casa. A primeira vez que sai de Cabo Verde foi em 1999 e o meu primeiro regresso foi em 2000. Tinha 3 meses de férias, eu me lembro de cada instante, parti do aeroporto de lisboa, quando o avião levantou, eu comecei a rir de tanto contente que estava, até tive medo que as pessoas pensassem que estava maluca pois ria sozinha e ao chegar ao Sal como descreves eu senti a sauna do calor caboverdeano, é como se cabo verde te desse um abraço de boas vindas...cheguei tarde da noite e só fui para o Mindelo na manha seguinte e là parti bem cedo, acho que eram 7 da manha, sai do Sal e a mesma coisa, o riso que me ataca e o mais espectacular foi ao aproximar-mos de atterar a São Pedro, so via as rochas...mas eu nunca achei as rochas tao bonitas aquela mistura de terra castanha e vermelha que fiquei maravilhada e disse para mim mesma estas rochas mesmo nuas são a coisa mais bonita que existe, o mais engraçado é que antes nunca tinha feito atenção a estas rochas e ao aterrar... os aplausos pois tinhamos bem chegados. Assim como chegamos a terra, alguns meses depois ou dias (como é o meu caso agora) temos que partir. Cada partida em lagrimas com a sensação que um pedaço de ti fica para tràs e com aquela frase do avô que te diz" nha mniniha un ka sabê se proxinmo one um ta estôd vive" mas é um medo silencioso partilhado por todos os membros da familia e amigos pois o amanha só Deus sabe, como se diz. Aquela entrada no pequeno avião no São Pedro para Sal com as lagrimas que não param de cair até chegares ao Sal. Aquele aperto no coração e a garganta seca, aquela dor que sentimos e que nem sabemos de onde vêm...enfim ...nossas malas a unica coisa para nos confortar... recheadas de doçe de papaia, sucrinha de Gilda, bolacha, pontche de tumberina,fidje de partel, peixe seco,atum de lata, grogue,...para nos animar na nossa chegada na terra fria, a nossa mala recheada de saudades e de projectos de um breve regresso... Regresso que as vezes levam muito tempo a se concretizar...Povo caboverdeano é corajoso pois só Deus e cada um sabe o que passamos na terra dos outros..."
Gilda Monteiro

Eileen Almeida Barbosa disse...

Gilda, fiquei muito contente com o teu comentário e também me revi nas tuas palavras! (Menos na parte do peixe seco e fidj de pastel)hahaha O que temos que fazer é cada vez mais, contruir um Cabo Verde onde se possa trabalhar e estudar, para que só parta quem quer. Beijos.