Gostei dos seus pequenos hábitos, das suas rotinas desprovidas de manias, de uma ordem que comecei a entender no meio do que antes me parecia um caos autêntico. Gostei, enfim, da forma como ela sempre punha as chaves e a carteira sobre uma determinada mesa, que era também onde colocava todas as coisas que queria levar para a rua.
Tapava sempre todos os frascos que usava e metia-os no armário mas era incapaz de arrumar uma roupa que acabasse de despir ou mesmo que desistisse de vestir. Numa única saída, era capaz de deixar umas quatro saias sobre a cama e elas lá permaneciam até serem atiradas para uma cadeira, lá ficavam por mais alguns dias para então irem para o cesto de roupa por passar.
Era amorosa nuns aspectos mas em poucos instantes tornava-se numa gata assanhada e isso deixava-me desconcertado e até desconfortável, até que aprendi os códigos pelos quais ela se regia. Não gostava dela realmente, aliás foi numa altura em que não gostava de ninguém, tinha era um abcesso que se chamava Paulina e que me chateava mais do que outra coisa. Tu não, não me chateias nada, que ideia é essa?
Ainda por cima, morava na minha casa, então eu passava a maior parte do dia na rua e tornou-se hábito eu aparecer de surpresa em casa da Auta até que já não era surpresa nenhuma, estava subentendido que quando o relógio apontava para as oito da noite, eu deveria aparecer, tocar na porta duas vezes, ela abria com roupa de trazer por casa, estava geralmente a ler, esparramada algures mas era só eu aparecer que ela começava a arrumar, dizia que nada lhe dava mais gozo que ter companhia enquanto arrumava, então era nessa hora que se punha a dobrar roupas e contava-me, como que em intervalos, dos diferentes casos que ela ia mantendo, do trabalho que isso dava e dava umas gargalhadas descontraídas como se me estivesse a contar do trabalho que dá ter dois cães.
Era o advogado pretensioso que se achava único, claro, e era o operário, não sei se era electricista ou técnico de electrónica ou ainda mecânico, que sabia que não era o único mas não se importava nada. E havia ainda um primo que aparecia a meio da manhã, tomava um café com cheirinho a camisa de noite e marchava de novo para o trabalho. E depois havia eu, que nunca fazíamos nada mas passávamos parte da noite num braço de ferro a ver quem é que cedia e dizia finalmente, “OK, vamos tirar o raio da roupa!” porque de resto, fazíamos de tudo, vestidos, com os maxilares apertados, e terminávamos essas noites doridos, de tantos nos esfregarmos um contra o outro. Era bom.
Aí eu chegava a casa, lá estava a Paulina meio adormecida frente ao sofá, íamos para a cama e ela apanhava em cima tudo o que a Auta me tivesse feito acumular. Se era raiva, era raiva, se era vontade de dar umas bofetadas, então saíam bofetadas e menos vezes, terá saído um abraço quando a Paulina tiver correspondido bem. Não faças essa cara que sabes que contigo nunca é assim!
Claro que estas coisa nunca podem durar muito tempo, há sempre qualquer coisa que acontece e acaba com o marasmo, era o que faltava se eu ía ficar numa brincadeira pegada como essa de ir inchar as partes todas as noites. Num dia em que ela tinha mais sono e eu, menos decência, lá a fui levando, usando de toda a cartilha que ela me andara a ensinar nesses dias, até a ter em ponto de rebuçado, completamente maleável na minha mão, se eu a mandasse fazer o pino, ela fazia, era só mandar, então o que eu mandei foi “tira” e ela tirou e foi só no dia seguinte, quando olhei para a cara dela que percebi “Ya, Auta, já vi que não me queres ver hoje” e que ela disse “Pois por mim, também não te tinha visto ontem!”
Detesto quando as mulheres se arrependem de terem ido para a cama comigo, dá sempre um mau aspecto, podem até pôr-se a falar e sempre há o orgulho e fiquei numa de “Caraças agora não sei o que hei-de fazer”. E não sabia mesmo.
Gostava dela de alguma forma, quando estava bem disposta era um amor, eu sentava-me no sofá, ela vinha estender a cabeça como uma gatinha e perguntava-me como correra o meu dia e ouvia-me falar da malta lá do escritório, dos meus planos meios loucos, dos problemas do meu irmão, geralmente conseguia, em poucos minutos, preparar qualquer coisa que se beliscasse, umas bolachinhas com queijo, um cuscuz aquecido, até pastéis cheguei a comer lá.
É claro que a continuei a ver no prédio, que remédio, trabalhávamos ambos lá mas ela dava-me um oi que era tão frio que mais valia se ela não me cumprimentasse. E esta última fatia, vais comê-la? Então eu não faço cerimónia, ela não vai ficar cá para contar a história.
Pois é, mas isso já foi há uns dois anos, não sei o que foi que me deu para me lembrar dela assim, desculpa estar cá a maçar-te com histórias do passado, talvez algum tempero que tenhas posto na pizza… não, claro que já nem me lembrava dela, ora tens umas coisas! Então eu com uma mulher como tu, ía-me lembrar da Auta… tu até a conheces, é essa do terceiro andar, uma muito baixinha… sim, é para o feio, vocês mulheres… anda cá, deixa-me ver o que é que tens debaixo desse vestido…
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