Soncent

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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Os calores de Esmeralda - texto de Eileenístico - parte I


Que estranhos calores seriam esses que lhe subiam pelo corpo e a punham aérea, vagante, com olhos meio mortos olhando à volta, ansiosa por chegar perto dos outros homens, comprimir os lábios aos deles, tocar-lhes as mãos e olhá-los nos olhos, passando mensagens telepaticamente?

Porque seria, sim? E eles todos olhavam para ela, pareciam sentir as ondas de desejo e volúpia que emanavam daquela pele acetinada e bronzeada, daquelas carnes fartas e curvas generosas, sobre pernas longas de morrer. E eles também queriam aprofundar o contacto, eles próprios atraídos pelos seus desvarios como cães atrás de uma cadela no cio.

E quando passava pelas ruas da aldeia, conseguia sentir os falatórios, as pessoas notavam, falavam dela pelas esquinas, ela bem sabia o que se dizia, que ela andava louca, que já nem cuidava do pai doente, coitado, que andava atrás dos homens casados, de qualquer um. Mas ela bem tinha uma ideia do que se tratava. Era a presença do Homem. Aquele homem mesmo, chamado Vosk, que passava lá perto de casa, dizia bom dia naquela voz muito rouca, e conseguia-se sentir a voz a vir lá do fundo do corpo dele, soando como ondas nos calhaus de uma praia longínqua.
E no entanto, ele olhava-a sem a ver, ficava indiferente à presença dela, enquanto que ela toda tremia, sentia o calor que lhe subia à cara. Como é que ele não repara? E porque é que não lhe corresponde?

Ah, mas havia de mudar. Se até hoje ela não se esforçara minimamente por parecer atraente, agora ela iria mostrar o que valia. Ela agora queria, e queria a sério.
- Alguma diferença. Tens que mudar alguma coisa para que ele repare! Para que se acabe a velha impressão que ele tem de ti.

- Que impressão?
- Qualquer que tenha, ora! Tens que causar algum impacto, algo que ele note. Digamos, uma mudança de visual. Isso! Cortas o cabelo, ou pintas, ou maquilhas-te. Porque é que nunca te pintas? Ficava-te tão bem pintares os olhos, só por fora, para os fazer maiores! Eu ensino-te, anda!

E seguiu-a, à única amiga que a parecia entender nesse sufoco. A Bianca. Pequenina, formas redondas, e rosto um pouco cavalar. Conseguia ter aos seus pés os rapazes que quisesse.

Estava decidida. Foi e voltou outra. Aplicara um produto qualquer nos cabelos que lhe tinha tirado os caracóis todos e soltara-o, deixando que lhe caísse costas abaixo. Estavam mais longos do que pareciam antes, sempre encaracolados e apanhados junto à nuca.

O resultado fez-se notar logo no dia seguinte. Estava lá fora com um livro nas mãos e viu Vosk aproximar-se do lado do celeiro. Ele olhou para ela e em frente, voltou a olhar para ela e em frente e olhou de novo, desta vez detendo-se longamente. Ela sorriu mas lá dentro tinha um turbilhão de sentimentos loucos. Ele disse-lhe naquela voz muito grossa Você hoje ‘tá diferente e ela respondeu-lhe Tou diferente como? E ele, Não sei, só sei que ‘tá diferente e convenceu-se, zangada, que ele nem reparava nela, nem sabia o que estava mudado nela. Ela não disse mais nada, poisou os olhos de novo no livro e fingiu ler mas uma névoa que lhe queimava os olhos não lhe deixava ver e desejou com todo o coração que o diabo do homem fosse a qualquer parte mas não ficasse lá com os olhos espetados nela, e ela quase a chorar e ele lá parado olhando para ela e não resistiu e levantou-se e pôs-se a correr e o diabo da pedra que a fez cair ao chão, poça que já me magoei.

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