Soncent

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quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Festa de divórcio


Os casamentos dão-se em público, os divórcios, em privado. Quem não o sabia era a Nanda e o Tozé, que marcaram uma grande festa de divórcio na casa deles. Tinham estado casados durante exactamente dez anos e já não se podiam ver um ao outro, quando mais cheirar-se, aturar-se.

Num sábado à tarde, receberam amigos surpresos ainda com o teor dos convites, enviados em envelopes elegantes, com bilhetes rabiscados a duas mãos, com tinta prateada sobre fundo preto: “Vem partilhar connosco a nossa separação, assim como partilhaste o nosso casamento!”

Estavam bem dispostos. Quem entrou pela rua lateral notou a quantidade de caixotes vazios, não fez uma ligação directa. Havia comes e bebes, um bolo. Na hora de o comer, os dois pegaram de uma serra e dividiram-no ao meio. Os convidados da noiva (ex-mulher) receberam da sua parte, e os de Tozé mesma coisa. Depois chegou a parte mais divertida, segundo os donos da casa: iam fazer a partilha dos bens frente aos convidados.

Algumas peças, ainda novas e sem uso, foram até devolvidas a quem as tinha oferecido. Num espectáculo grotesco, Nanda e Tozé alinharam os seus tarecos, meteram-nos em caixotes, em carrinhas, e noite dentro, foram cada um dormir num sítio diferente. No dia seguinte, já a casa tinha um aviso de venda.

Os amigos não perceberam nada, porque nenhum deles dera antes sinal algum de loucura. Nem voltaram a dar: pareciam ambos satisfeitos, relaxados, ela ganharam alguns quilinhos que só lhe ficavam bem e ele parecia ter feito implantes na calva luzidia. De vez em quando, eram vistos a sair furtivamente de algum restaurante menos frequentado.

De repente, ele apareceu em público com uma loira vistosa e entradota, muito sedutora e elegante. Tempos depois, os três jantavam juntos uma vez por outra. Nunca ninguém dera tanto assunto de conversa na cidade.


Outubro 2009

1 comentário:

Anónimo disse...

A propósito:

Por que me vens, com o mesmo riso,
Por que me vens, com a mesma voz,
Lembrar aquele Paraíso,
Extinto para nós?

Por que levantas esta lousa?
Por que, entre as sombras funerais,
Vens acordar o que repousa,
O que não vive mais?

Ah! esqueçamos, esqueçamos
Que foste minha e que fui teu:
Não lembres mais que nos amamos,
Que o nosso amor morreu!

O amor é uma árvore ampla, e rica
De frutos de ouro, e de embriaguez:
Infelizmente, frutifica
Apenas uma vez...

Sob essas ramas perfumadas,
Teus beijos todos eram meus:
E as nossas almas abraçadas
Fugiam para Deus.

Mas os teus beijos esfriaram.
Lembra-te bem! lembra-te bem!
E as folhas pálidas murcharam,
E o nosso amor também.

Ah! frutos de ouro, que colhemos,
Frutos da cálida estação,
Com que delícia vos mordemos,
Com que sofreguidão!

Lembras-te? os frutos eram doces...
Se ainda os pudéssemos provar!
Se eu fosse teu... se minha fosses,
E eu te pudesse amar...

Em vão, porém, me beijas, louca!
Teu beijo, a palpitar e a arder,
Não achará, na minha boca,
Outro para o acolher.

Não há mais beijos, nem mais pranto!
Lembras-te? quando te perdi
Beijei-te tanto, chorei tanto,
Com tanto amor por ti,

Que os olhos, vês? já tenho enxutos,
E a minha boca se cansou:
A árvore já não tem mais frutos!
Adeus! tudo acabou!

Outras paixões, outras idades!
Sejam os nossos corações
Dois relicários de saudades
E de recordações.

Ah! esqueçamos, esqueçamos!
Durma tranqüilo o nosso amor
Na cova rasa onde o enterramos
Entre os rosais em flor...

(Poesias, Olavo Bilac)

a) RB