Soncent

Soncent

domingo, 3 de julho de 2011

Maju e Auta III

Era uma espécie de blindate da amizade. A mim, tinham-me dito que éramos parecidas, passávamos os tempos livres de forma parecida. Ela gostava de longas caminhadas, de leituras. Eu, de fazer desporto e livros técnicos. As idades não diferiam muito.

Deixei-me convencer e escrevi-lhe um e-mail simpático, e ela respondeu calorosa e trocámos números e combinamos de nos encontrar. Para primeiro encontro, estávamos ambas a sair do normal, pois em princípio nenhuma de nós bebia, e no entanto, ela esperava-me num bar.

Caprichei na roupa, não por causa dela, mas de todas as pessoas que eu poderia encontrar. E foi no meio dessas pessoas que descobri que ela era, afinal, uma lambisgóia convencidíssima que me costumava rachar com os olhos, olhava sempre através de mim, ignorava-me, detestava-me e eu correspondia com a mesmíssima intensidade, duas feras, um leoa e uma tigresa numa mesa e agora, o que fazemos?

Por uma questão de charme, decidi não a largar aí sozinha na mesa, ia era dar-lhe uma bofetada de luva branca. Sentei-me, com um sorriso fétido na boca e o nariz dela a tremelicar-lhe sob uns óculos que de tão elegantes, deviam ser falsos.
Disse-lhe, voz de Ildo Lobo:
- Auta?
E ela respondeu-me com voz de Dudu Araújo:
- Maju?

Vi logo que era uma bandida que não ia dar o braço a torcer. Ainda para mais, tínhamos o mesmo peso, e, para cúmulo, ela tinha também curvas tão bonitas como as minhas. Sou invejosa mas justa. Trazia o cabelo pintado e desfrizado, de certezinha, apanhado com roladinhos à frente, o que está muito na moda e por isso, não uso. Eu tenho o cabelo muito grosso, mas não desfrizo, não preciso, tenho amor-próprio. Faço dreads, afro, tranças, jogo com o meu volume.

- Quando te liguei, não pensei que fosse alguém que eu já conhecia.
- Mas tu não me conheces.
- Pois não. Mas tu percebeste ou não?
- Perceber nunca foi um problema para mim…
A noite ia ser longa.
(...)

Sem comentários: