O Comandante e o contramestre, qual deles o mais forte e curtido pelo sol, qual deles o mais tatuado e autoritário, qual deles maior inimigo do outro. No convés do navio ainda sujo de sangue, em mar alto, depois de uma semana de motins que resultaram na morte do primeiro. A manhã está quase a raiar e os dois já duraram numa conversa sobre a disciplina, a brevidade da vida e a morte matada.
- É possível que a morte lhe tenha assentado mal, senhor Comandante.
- É possível que você pretenda descobrir como é que ela lhe assentará a si.
- É possível, Sr. Comandante, que julgue ser ainda capaz de matar alguém?
- É possível, marinheiro do caralho, que tu já estejas morto. De outro modo, como travaríamos este diálogo das trevas?
- Com todas as possibilidades da tecnologia, Sr. Comandante. E olhe: Tenho frio, logo vivo. Mas visto que a tecnologia não me protege da geada, zarpo para o meu camarote. Mas não tenha pressas... Deixe-se ficar por aqui no convés, que ninguém se há-de importar. - O contramestre sai de cena. O Comandante abaixa a cabeçorra, depois levanta-a de novo, olha o céu amarelo do nascer do dia e lamenta-se:
- Que solitária que é a morte! Creio que vou passar o resto dos dias amarrado a este mastro, a ver as velas serem içadas com a solenidade de bandeiras num navio em exposição, sem nunca serem enfunadas por um vento de proa! E tudo isso porque não me deram à terra, atiraram-me para este mar sem peixe nem sal.
Desce o pano.
Praia, 6 de Fevereiro de 2012
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