Soncent

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segunda-feira, 11 de março de 2013

Coisas

Sinto-me uma fraude.

Há vários meses que entretenho ideiais minimalistas. Possuir apenas o que necessito. Livrar-me dos pesos mortos. Leio blogs acerca disso, dou aulas magnas à minha mãe.
 Criei fórmulas para obter o exacto número de camisas, calças e cordões que devo possuir. Livrei-me de cadeiras, de mesas, dei e vendi peças de roupa. Mas na semana passada, estando a organizar mais uma mudança de casa, era tanta a tralha que me encarava com olhos de peixe morto, que jazia pelo chão e nem pedia pela sua vida, nem implorava por ir comigo… Mas que eu lá ia enfiando nos caixotes, metendo nas malas, desesperada, pensando que sim, vou deitá-la fora mas preciso de tempo, tempo para escolher, tempo para me despedir, e sei traçar as origens de cada objecto e conheço a cor de toda a peça, o seu cheiro e peso e textura. Porque é que nos agarramos tanto às coisas?
 Ou serão as coisas que nos agarram a nós?
 Saí há mais de um ano da CI mas até há semanas, ainda guardava o caderno em que tomava as minhas notas, para o caso de vir a ser necessário. Depois, um dia assim, de sol, convenci-me: isto já não vai ser necessário para nada. Enchi uma tina de água na banheira, afoguei o caderno, depois cortei-o em postas, amachuquei-as todas e para o lixo é que vocês vão. E não, não aconteceu que no dia seguinte, me ligaram a pedir a data daquela reunião. Não aconteceu absolutamente nada.
 Já fiz isso com umas poltronas que, se não me viram nascer, estiverem presentes quando andei a ouvir cassetes da Joana e a pedir para faltar ao Jardim de Infância. Não as afoguei, limitei-me a pô-las na rua e horas depois, já aí não estavam e nunca mais perdi uns segundos a pensar nelas, nem lhes senti a falta.
 É na verdade, libertador libertar-nos dessas libertinices de ter tanta coisa metida em guarda-fatos, debaixo das camas, a encher as prateleiras e a apanhar pó.
 
E depois acontecem acasos felizes de no mesmo dia, encontrar-me com duas amigas vestidas com roupas que já foram minhas. Mas que fico muito contente por já não serem.

4 comentários:

Irina Morais disse...

Chega a ser estranha a tendência que o ser humano tem para associar as suas memórias a objetos e depois guardá-los como se o último fôlego daquela lembrança residisse ali. É muito verdade que nos agarramos a coisas que se agarram a nós, mas melhor ainda é libertar-se dos objetos e ainda assim perceber que se houver alguma memória para reter ela não desaparece. Haverá assim tanta necessidade de guardar a nossa vida em gavetas, armários e cadernos? Nem por isso... Frequentemente penso nisso.
Nice post, obrigada.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Olá Irina, que boa supresa e obrigada! Tens toda a razão, não temos que ter as coisas nos armários para termos as nossas memórias, embora seja também verdade que elas funcionam como botões que abrem as portas às tais memórias. Acho que vou passar pura e simplesmente a fazer fotos às coisas antes de as deitar fora!

Beijinhos!

Anónimo disse...

Há um tempo atrás tomei a mesma resolução, jogar tudo fora, só manter o que realmente uso. Se antes eu gostava de muitas cores e muita informação nas decorações, hoje me atraem o clean, espaços vazios, cores neutras, o menos que é mais. Um dia eu ouvi um conselho, sempre que levar uma peça de roupa nova para o guarda roupa, outra tem que sair, para dar espaço. Ah, e tem aquelas roupas que sempre que usamos nos fazem sentir feias/gordas/desengonças etc? Para que é que as mantemos??? hahah Toca a jogar fora!!
Tão libertador esse sentimento de desapego! Acho até que ando praticando a mesma filosofia com relação às pessoas. Hoje já não me magoa tanto as desilusões, as amizades que se esvanecem, os amores que se vão... não me apego tanto ao passado. Assistiu ao filme amar comer e rezar, com a julia Roberts? Quando, na índa, ela reclama que sente saudades do ex-namorado, o amigo dispara "Então sinta saudades dele!! Mande luz e amor sempre que pensar nele e então deixa para lá!!"
Então é isso, desapego precisa-se e não é só no armário. No final das contas, o que nos resta são espaços vazios... espaços vazios prontos para serem preenchidos com coisas e momentos novos.

RM.

Eileen Almeida Barbosa disse...

RM, desculpe só agora vir responder. Andei uns tempos afastada do blog e nem me lembro de ter lido o seu comentário. Mas vi que tem os mesmos sentimentos que eu, e espero que esteja a conseguir manter as coisas clean. Eu tenho dias, mas na maior parte das vezes, ainda não cheguei lá. Abraço!