Soncent

Soncent

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Apresentação do livro Fantasmas e Fantasias do Brumário

 
 
 
 


Aqui há umas semanas, fui uma dos coapresentadores, na Assomada. Como sempre, falei pouco. Ufa, ainda bem, porque dos outros não se pode dizer a mesma coisa, à exceção do Arménio, que não falou de todo.
Foi assim:

 “Pois é, madame, este é o leite de cobra mais fresco que encontrará no mercado.” Cito de cabeça.

 Foi este o “poema” que Arménio Vieira enviou para a coletânea de poesia chamada Destino di Bai que reuniu, em 2009, poesia inédita de Cabo Verde. Eu já não sei que poemas publiquei nesse livro; mas desta frase do Arménio não me esqueci, por ser tão curta e ao mesmo tempo, tão plena de humor, de audácia, por ser tão inesperada num livro de poesia. Ora, extrapolem, multipliquem, elaborem.

 Arménio extrapolou, multiplicou, elaborou, escreveu. E é assim que nos surge este  Fantasmas e Fantasias do Brumário. Surge desconcertante, surpreendente, arménico. O Fantasmas e Fantasias do Brumário é um livro de diálogo, diálogo com autores, uns consagrados, outros menos; uma conversa com figuras históricas, reais e ficcionais. À primeira vista, parecem devaneios, histórias que surgiram na ponta da caneta quando por ele passou um guardanapo.


Mas! Ainda que sejam devaneios, que bons que são de se ler, divertidos, exóticos na sua frescura, uma obra literária que não se encaixa numa gaveta fácil.

 É um livro que questiona fatos históricos ou grandes ficções, porque sim. É documento da enorme cultura do seu autor, é uma enciclopédia de leves referências a figuras de peso da antiguidade, do passado mais recente, da literatura francesa, da inglesa, da portuguesa. Faz bem as perguntas, atira-as ao éter, à procura da resposta que a nós nos interpela. Nós, que lemos o livro em alguns pares de horas, que nos deixamos agarrar por ele, ainda que em alguns trechos franzamos a testa com estranheza, noutras nos ríamos deleitados. Nunca reagiremos com indiferença.

 Vieira conhece estes personagens tão bem que com eles fala na primeira pessoa, sejam deus ou Eça. Senta-os à sua mesa e nós assistimos, engalfinhados, de cotovelos apertados uns contra os outros, aos embates entre os grandes. Como um jogo de xadrez a grande velocidade. Não se detém nem frente a Shakespeare, nem frente a Jorge Luís Borges. Corrige Camões. Vai de espada em riste contra Descartes. Quer despir Nietzsche. Esmiúça, com lupa e pinça, Cervantes. Menciona a infeliz da Joana D’Arc, faz riola com a Papisa Joana. Descostura a bainha de Ludwig Wittgenstein. Só poupa quem ficou esquecido. É um duelo de ideias com estas pessoas, que, eu sei porque o ouvi dizer, ele considera estarem vivas porque a sua arte sobreviveu e está entre nós.

 O Poeta não nos deu, com este livro, poemas a ler. Mas é mais literatura do que parece caber nestas linhas.
 
 

Sem comentários: