Soncent

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terça-feira, 8 de setembro de 2015

Extrato de Marisa e Adélio



"(...)
A conversa prolongou-se de tal forma que quando deram pelo fecho do bar, ficaram surpreendidos. O André já havia partido, pelo que a Marisa convidou o Adélio para uma última bebida na sua casa. Quando deram por si, estavam sentados na cama dela, num quarto tão desarrumado que parecia um campo de batalha.

- Que é que mais gostas de fazer? – Era do tipo de pergunta que a Marisa aprendera a não gostar. Mas resolveu ser sincera.

- Escrever. Escrever pequenos contos. Olha, este ficou pronto ontem à noite.

Ele pediu-lhe que lhe lesse o conto. Pega de surpresa, ela relanceou o manuscrito. Escrevera-o de uma vez e até gostara dele. Mas em menos de um segundo, ela reviu a história e teve a certeza de que ele não a apreciaria.

- Para quê?

- Ora! Gostava de saber o que escreves!

-Mas vou ler para ti? Como na escola? Não gosto!

- Então dá-me que eu mesmo leio.

- Não! Deixa estar, eu leio. – E na hora, a Marisa inventou uma história completamente diferente, e enquanto corria os olhos pelo papel, fingindo ler, tentando fazer as pausas esperadas do texto, declarava frases recém-feitas, surgindo um conto leve e divertido, que caberia em duas páginas se estivesse escrito. Ela viu nos olhos dele um interesse e uma satisfação que lhe aqueceu o coração e lhe deu ânimo para continuar a farsa. Quando terminou, ele mostrou-lhe um sorriso rasgado:

- Brilhante! Adorei. Tens muito jeito para a escrita! Ouve, tens que publicar isso! A sério. Está muito bem escrito!
Ela fez um sorriso triste. Se conseguisse escrever tudo o que dissera num só sopro minutos antes, claro que o queria publicar, acabara de criar o melhor conto que ela alguma vez inventara, mas que só servira para ele! Como lembrar-se agora de todas as frases tão inspiradas que pronunciara instantes antes? Não deixava de ser romântico, pensou, ter inventado o seu melhor conto para que somente o Adélio apreciasse.
(...)
 
Janeiro de 2004
 
 
 

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