Dilemas existencio-consumistas

 

Depois de vários meses a palmilhar a calçada da Praia ou a recorrer a vários condutores de táxi ou ainda à minha bicicleta, decidi que tinha que recorrer a capitais alheios e adquirir uma viatura própria sem a qual não dava para ser feliz.

Fui ver alguns carrinhos que cabiam no meu magro orçamento, e já me imaginava a comprar uma coisinha pequenina e económica, muito jeitosa, mas que seria obrigada a esconder na sombra quando fosse algures, porque sempre sonhei com carros potentes, altos e agressivos, nos quais pudesse ir da estrada do Calhau à estrada da Baía sem passar por Mindelo.

Nisto, surgiu-me uma oportunidade de ouro, um Ford Ranger prateado, tão macho como intérprido. Fui catar todas as moedinhas que tinham caído debaixo do sofá, no fundo das carteiras, nas ranhuras dos porta-moedas e comprei a minha jovita 4x4.

E desde aí, tenho o maior dos dilemas sempre que a conduzo entre os carrinhos normais, olhando-os de cima, e nas vezes em que há enchentes e vou atravessando as águas sem problemas: Será que é legal? Será que é legal possuir, com a minha idade, um carro tão alto, tão grande, tão portentoso? Este prazer que sinto, este orgulho? Pecado, já sei que é.