Soncent

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

Não sou feiticeira


 
Que queres que te escreva? Depois de tantos anos sem nos vermos, que assuntos imaginas que ainda tenhamos? Que vida em comum nos resta? Vou-te falar de pessoas que nunca viste, de ruas que não vais percorrer nunca. Não te deste conta ainda que a minha vida agora é isto?

Saio do trabalho, vou cumprimentado focinhos conhecidos, cujas angústias doem-me mais do que as tuas, porque lhes conheço o cheiro e cospem para os meus pés. O cuspo deles faz assentar a poeira que de outro modo me sujaria as sapatilhas brancas. Trazem-me os filhos para que os vacine.

Quero dizer-te que aprendi a amar isto e já não me lembro bem de como era viver num país com água canalizada; e televisão para mim é um mito. Mais dir-te-ei como evolui uma pneumonia, como as crostas nas feridas têm um cheiro especial que atrai mais moscas do que a merda.

Quero dizer-te que endureci. Aparecem-me jovens violadas e homens mortos de mortes matadas. Mulheres que envenenam os maridos e depois se arrependem e me vêm pedir antídotos. Digo-te tal como lhes digo a elas: não sou feiticeira.


Queres que te faça um jornal, não do meu dia-a-dia mas das ideias que me vão na mente. Vou-te dizer uma coisa: aprendi a coser. Não faço roupas ainda. Faço mosquiteiros. Compro metros e metros de tule, coso-os de forma redonda, com um suporte para que possam ser dependuradas em cima das esteiras.

Quando labuto com os metros de tule branco à minha volta, vadio dentro da minha cabeça. É uma vadiagem por ser tão à toa. E com tantos metros de tule branco, também me ocorre pensar em noivas de branco, em pureza, em inocência. Sobretudo em inocência. Enfim, penso também no passado.

 
(...)

3 comentários:

Breivik disse...

If the talent was never there, it will never be.
If you want to paint and don't know how, any ignorant will expose you. If you want to write and don't know how, you'll do it over and over, but only a handful of people will expose you, if they give a sh*t.
Change the world with your gun or your fist.
That's why I don't write anymore.

Eileen Almeida Barbosa disse...

Point that gun on yourself first, before you even think about shooting any soul. There should be space for everyone. Every time people wanted to change the world with murders, they accomplished nothing but pain and vengeance.

breivik disse...

Pain and vengeance should strike close to you ( not geographically), more than you might ever've wondered in your wildest dreams. Your legacy to the world: people that you knew, people that were close to you and who will change our World. Forever.
One day you will have your genuine theme and story to write about.You're close to everything. That's your fortune, not talent.